Acossado pela ameaça cada vez mais concreta de amargar um melancólico fim de carreira atrás das grades, Luiz Inácio Lula da Silva perdeu a noção do ridículo e abriu mão da responsabilidade imposta por sua condição de líder popular. Lula protagonizou na quarta-feira passada, em São Paulo, um comício em recinto fechado dirigido a líderes das centrais sindicais – todos identificados com pulseiras brancas atadas ao pulso direito – aos quais transmitiu importante palavra de ordem: a Operação Lava Jato é um dos principais responsáveis pela crise econômica, particularmente pelo aumento do desemprego e pelo consequente “pânico criado na sociedade brasileira”. Mas garantiu que, se o Congresso Nacional tiver “seis meses de paciência”, ele, Lula, produzirá o milagre de transformar o Brasil no “País da alegria”.
Afirmou Lula: “Essa operação de combate à corrupção é uma necessidade para esse país. Mas eu acho que vocês deveriam procurar a força-tarefa, o juiz, para saber o que eles estão discutindo sobre quanto essa operação já deu de prejuízo para este país. Será que não dá para combater a corrupção sem fechar as empresas? Já ouvi falar R$ 200 bilhões, R$ 250 bilhões de prejuízo”. E acrescentou: “Quando isso terminar, você pode ter muita gente presa, mas pode ter muita gente desempregada nesse país. Vocês têm que procurar a força-tarefa e perguntar se eles têm consciência do que está acontecendo nesse país”.
São inacreditáveis o cinismo e a irresponsabilidade de Lula. O subtexto de seu discurso é claro, ao estabelecer uma hierarquia entre valores como o combate à corrupção e os interesses dos assalariados, sugerindo que estes devem prevalecer sobre aqueles, como se fosse impossível a solução óbvia de compatibilizá-los. Lula quer induzir as lideranças sindicais a enxergar o combate à corrupção como prejudicial à “classe operária”. Quer ver os trabalhadores na rua atacando a Lava Jato e o juiz Sergio Moro e defendendo, na verdade, a impunidade dele, Lula, afastando os riscos de ter de pagar por ilicitudes que possa ter praticado em relações promíscuas com a elite representada pelos empresários e executivos corruptos das maiores empreiteiras de obras públicas do País.
As sucessivas derrotas de Lula, Dilma e o PT nos tribunais – só até certo ponto aliviadas pela decisão do ministro Teori Zavascki de manter o ex-presidente momentaneamente fora da jurisdição do juiz Sergio Moro – estimularam o lulopetismo a partir para um vigoroso ataque no campo político. Faz parte dessa estratégia, além dos recentes e frequentes pronunciamentos de Dilma Rousseff em atos públicos programados com esse objetivo, também a intensa agenda de encontros de Lula com lideranças políticas e com as chamadas “bases populares” do PT. A capacidade de mobilização dos petistas e das entidades e organizações sobre as quais o partido mantém forte influência já não é a mesma de tempos atrás, quando o PT e seus líderes eram exemplos de virtude, mas ainda é o trunfo mais valioso com os quais Dilma e Lula contam hoje para se livrarem do impeachment e da cadeia.
Essa estratégia, que se por um lado tem obrigado Dilma à tarefa ingrata de se haver com suas enormes dificuldades de manejar a língua e a lógica – na quinta-feira acusou a oposição de “criar motivos inexistentes” para atacá-la –, por outro lado coloca Lula exatamente no lugar em que se sente mais à vontade: o palanque. Eventualmente, o picadeiro, considerando a risível promessa de criar o “País da alegria” no fantástico prazo de seis meses.
Mas Lula acha que pode tudo, até mesmo considerar-se mais poderoso do que nunca, apesar de estar na incômoda situação de enfrentar entraves na Justiça para assumir o cargo de ministro e ficar a salvo das “perseguições” de Sergio Moro. Lula preferiria, é claro, livrar-se do magistrado que se tornou herói nacional por ousar tratá-lo, e a muitos outros poderosos, como cidadãos iguais perante a lei. Do alto de sua soberba, Lula continua se achando mais igual do que todo mundo e fala como se fosse o chefe do governo – o que, de fato, é, depois que Dilma Rousseff se dobrou a todas as suas exigências, no desespero de salvar um mandato que não exerce.
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