Rogério Gentile – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Desde os anos 90, a cada crise, a cada novo escândalo, alguém sempre levanta a voz para defender a necessidade de o país passar por uma reforma política, como se fosse uma solução mágica para os problemas nacionais.
O cientista político Jairo Nicolau, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), não pensa assim. Nicolau, que lançou em janeiro o livro "Representantes de quem?", pela editora Zahar, diz que o país precisa de pequenas mudanças em sua legislação e que o rótulo "reforma" gera expectativas totalmente exageradas.
Segundo o professor, é necessário reduzir a hiper-fragmentação partidária (a bancada que tomou posse nas Câmara em 2015 era formada por 28 partidos), fortalecer os partidos e corrigir alguns efeitos negativos do sistema eleitoral, como, por exemplo o fato de não haver uma correta proporção entre a população dos Estados e o número de representantes na Câmara.
Leia abaixo a entrevista:
• Folha - Desde os protestos de 2013, o país convive com uma grande instabilidade política. O senhor está otimista em relação a 2017 ou ainda estamos longe da calmaria?
Jairo Nicolau - Existe três vetores que provavelmente trarão enorme imprevisibilidade à política brasileira neste ano: a decisão do TSE a respeito da chapa Dilma-Temer, os desdobramentos da delação da Odebrecht, e a eventual divulgação pelo STF dos processos contra os políticos que têm fórum privilegiado. Tranquilidade é impossível. Mas a crise que levou ao afastamento da presidente Dilma foi dramática. Minha intuição que em termos de crise política o pior já passou. Na verdade, não sei se é intuição ou desejo.
• Aliás, o senhor entende como é possível fazer qualquer acordo razoável numa Câmara com tantos partidos? Como isso dificulta a gestão do país?
O grande número de partidos faz todas as negociações ficarem mais difíceis: da organização do trabalho parlamentar à montagem do ministério. A vantagem é que a fragmentação partidária não se traduz em fragmentação ideológica. Aí sim seria impossível, qualquer negociação. Nossa dispersão dos rótulos partidários esconde um quadro muito pouco diversificado em termos programáticos. O que é o Centrão, criado nesta legislatura? Um aglomerado de dezenas de deputados de diversas legendas que pensam muito parecido e estão em partidos diferentes por meras circunstâncias regionais.
• Em 1999, a bancada que tomou posse na Câmara dos Deputados tinha representantes de 18 partidos, o que já era muito. Na de 2015, eram 28. Vamos chegar a quantos na próxima eleição se nada for feito?
Existe uma longa fila de partidos requerendo registro. Minha impressão é que o TSE está esperando que o Congresso aprove regras mais restritivas para criação de partidos para julgar os pedidos. Mas não tem como protelar muito. A expectativa é que cerca de 40 partidos disputem as eleições de 2018, e pelo menos uns 35 devem eleger deputados, caso não seja aprovada uma regra mais restritiva.
• No livro, embora aponte vários problemas no nosso sistema político eleitoral (como a fragmentação e a migração partidária), o senhor diz que o país não precisa de uma reforma política. Por quê?
Acho que caímos numa armadilha ao discutir as reformas da legislação eleitoral e partidária sob o rótulo de reforma política. Isso gerou uma expectativa em alguns setores totalmente exagerada. Acho que o sistema representativo brasileiro tem problemas graves, e num dos capítulos do livro sugiro uma série de mudanças para aperfeiçoá-lo. Mas prefiro não chamar estas mudanças de reforma política.
• Mas é possível fazer mudanças, ainda que pequenas, com parlamentares que foram beneficiários das regras atuais? Como fazer?
Claro que é possível, senão nenhum país do mundo mudava seu sistema eleitoral. O problema é que embora exista uma insatisfação difusa em relação a certos problemas do nosso sistema representativo, não há nenhum consenso sobre o que colocar no lugar. Esta legislatura votou, só numa noite em 2015, três propostas diferentes de sistema eleitoral. Todas foram rejeitadas.
Mas o que mais me impressiona é que nenhum dos partidos tem uma proposta de reforma política para orientar seus filiados e parlamentares.
• Quais são as medidas fundamentais?
Fundamental é aperfeiçoar a nova regra que proíbe doação de empresas nas campanhas, e adotar algumas medidas para reduzir a fragmentação parlamentar. Na minha visão, bastam algumas mudanças simples, sem necessidade de alterar a Constituição. E vamos virar esta página da reforma política.
• É possível dizer que o fim do financiamento empresarial das campanhas foi um avanço? Será que não é apenas uma questão de tempo para que novos escândalos sejam descobertos?
Foi um grande passo. O controle via cpfs funcionou. Um número expressivo de fraudes já foi identificado durante a campanha. Tudo mais simples do que na era dos CNPJs. Ontem tentei entender a denúncia da Polícia Federal a respeito do uso de gráficas piratas na campanha Dilma-Temer e fiquei zonzo. Aliás, não é incrível que se leve mais de dois anos em uma investigação sobre fraudes eleitorais?
Obviamente, isso não quer dizer que as fraudes acabarão. Mas temos mecanismos para investigar os indivíduos a partir das bases de dados da Receita Federal e de diversos órgãos, que já estão unificadas. Esta é a vantagem.
• O protagonismo do STF, que entre outras medidas proibiu a doação empresarial, é bom para a democracia?
Melhor é que o Congresso fizesse as reformas do sistema representativo. Mas desde 2002 é o Judiciário (STF e TSE) que assumiu o protagonismo. No caso específico do financiamento das campanhas, a decisão do STF foi contra a vontade majoritária do Congresso que caminhava para aprovar uma emenda à Constituição garantindo a doação das empresas para as campanhas e partidos.
• Desde 1992, já houve 9 impeachments na América Latina. Em todos eles, havia quatro componentes básicos: crise econômica, escândalos de corrupção, mobilização de massas e falta de apoio no Congresso. O mecanismo virou uma espécie de voto de desconfiança do presidencialismo? É bom que seja assim?
Algumas décadas atrás havia apenas um caso bem-sucedido de presidencialismo: os Estados Unidos. Hoje são dezenas de países presidencialistas no mundo, particularmente na América Latina. Por isso, mais casos acabarão surgindo. As regras tradicionais de impeachment estão baseadas apenas no crime de responsabilidade. Talvez este modelo não se sustente mais. Mas não vejo como o presidencialismo possa conviver com voto de desconfiança. Creio que neste aspecto o modelo francês —que mantém um chefe de estado permanente, com gabinetes que podem ser alterados —é uma opção superior.
• O senhor é a favor do voto obrigatório?
Sou. Mas reconheço que ele hoje não tem o peso que tinha até os anos 1990. A multa de menos de R$ 10, associada a punições que afetam segmentos específicos (quem vai tirar passaporte e prestadores de concurso) já não assustam os que querem se abster. Nas eleições do ano passado me impressionei com alguns relatos de populares que disseram que não foram votar; num deles, um servente da universidade me confessou que se tratava de uma conta simples: o preço da passagem de ida e volta até a seção eleitoral era maior do que o da multa. Estamos caminhando para voto facultativo. Este sim, sem reforma política.
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