- O Estado de S. Paulo
• Existe campo para a esperança. O que não podemos é cruzar os braços e desanimar
Com dificuldades e tropeços o País está encaminhando seus problemas. Quem imaginaria há um ano que cogitaríamos de a inflação atingir em 2017 o centro da meta, isto é, 4,5% ao ano, ou menos ainda? E que veríamos o déficit fiscal de 2016 ficar abaixo do projetado e a reforma da Previdência ser discutida a sério, com chances de ser aprovada, para mantê-la funcionando sem o descontrole das contas públicas? E ainda a racionalidade voltar à condução da Petrobrás e às políticas para o setor de petróleo, a começar pelo fim da obrigatoriedade de a empresa investir em poços do pré-sal que eventualmente não lhe interessem? Ou pôr em pauta a mudança de regras trabalhistas, atendendo a anseios até do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, que há muito tempo sabe que em certas circunstâncias é melhor negociar e salvar o emprego do que se ater à lei, encalacrar a empresa e perder postos de trabalho?
Os governos petistas jogaram uma nuvem de ilusões no País por uma década e tacharam muito do que era sensato como “neoliberalismo”, uma doença que atacaria os interesses do povo e dos trabalhadores. A evidência dos desastres causados por essas ilusões provocou uma reviravolta. Será que aprendemos? Não sei. Relendo as conclusões de Barbara Tuchman, no livro A Marcha da Insensatez, que se intitulam “lanterna na proa”, vê-se que o olhar que ilumina as ondas do passado nem sempre evita que a insensatez retorne. Devemos torcer para as experiências positivas que mostram que o controle da inflação e das contas do Tesouro é pré-requisito para que as políticas públicas, especialmente as que beneficiam os mais pobres, possam perdurar.
Talvez tenhamos aprendido também que manter as contas do governo em ordem não é ser “de direita” ou “de esquerda”, é ser sensato. Manter o controle financeiro e ter a dívida pública ajustada é condição de governabilidade e permite olhar para o futuro. Devem-se evitar gastos (principalmente os permanentes, como os com pessoal) que não tenham receitas presentes ou futuramente certas para cobri-los. Adotar políticas que favoreçam mais o capital do que o trabalho, ou vice-versa, depende, aí sim, da orientação política do governo. Sempre considerando que vivemos num sistema que se chama “capitalista”, gostemos dele ou não, e que não há alternativas no horizonte... E sem expansão dos investimentos (públicos e privados) tampouco haverá políticas sociais que se mantenham. Tão simples, penoso e difícil quanto isso.
Voltando ao presente. A Lava Jato pode vir a estimular uma revolução em nossas práticas. Tomara seja o início de uma mudança cultural. Apontam nessa direção as decisões tomadas pelo Supremo para dar continuidade às investigações, assim como o fracasso das tentativas no Congresso para aprovar anistias por delitos cometidos. Ficou claro que a partir de certo momento o conluio entre governo e empresários tornou sistêmica a corrupção, beneficiando os partidos no governo.
O passo inicial para a correção dos rumos nessa matéria está dado, assim como tiveram início as correções de rumo econômico. A questão agora é saber como o Brasil se tornará um país mais decente e mais igualitário no futuro. As dificuldades são muitas, mas há possibilidades.
A alavanca inicial da retomada do crescimento está no corte da taxa de juros, que já começou. A competitividade conquistada na agricultura, na mineração e no processamento industrial de materiais extraídos desses setores são ativos da economia brasileira. A melhoria dos preços das commodities no mercado internacional dá impulso a esses setores. Com novas regras do jogo no setor de petróleo, mais cedo que tarde virão vultosos investimentos, cuja sustentação pode vir da infraestrutura.
Nessa área, as regras para a cooperação público-privada estão se aperfeiçoando. Um país de mais de 200 milhões de habitantes não pode descuidar do mercado interno, que está umbilicalmente ligado a outro tema de que teremos de nos ocupar: precisamos de mais renda, melhor distribuição e mais igualdade social. Isso abrirá espaço para a retomada industrial, a qual, além do mercado interno, precisará de articulação com o mercado global para aumentar as exportações de manufaturas e receber os fluxos de inovação que aumentam a produtividade.
Tudo isso, obviamente, requer melhor educação para dar ensejo a melhores empregos, questão central para a população. Houve avanço na recente reforma do ensino médio, ainda insuficiente. As tecnologias de comunicação e robotização aumentam exponencialmente a produtividade, mas concentram o capital e diminuem a oferta de empregos.
Estes requerem cada vez maior nível educacional dos trabalhadores. E tudo requer bons governos, os quais dependem de sorte, mas também de reformas na legislação partidária e eleitoral, algumas já avançadas pelo Senado.
E não nos esqueçamos de que é preciso voltar a estimular o espírito empresarial, público e privado.
Nesse sentido, as consequências não desejadas da Lava Jato devem ser medidas, sem destruir as empresas. Assim como a Petrobrás se está reconstituindo, não devemos deixar que o know-how da engenharia nacional se perca com o desmantelamento das empresas de construção pesada, desde que elas se recuperem moralmente, com novas regras de governança e eventuais fusões, sempre que haja as punições individuais cabíveis. A venda de empresas a estrangeiros na bacia das almas não é o caminho mais saudável para o futuro. Sem o chauvinismo irresponsável que extremou os requisitos de produção local, buscando equilíbrio entre os produtores nacionais e os estrangeiros.
O que não podemos é cruzar os braços e desanimar. Ainda há muito espaço para sonhar com um futuro melhor para os que vivem no Brasil. Há campo para a esperança.
*Sociólogo, foi Presidente da República
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