Ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Marcelo Odebrecht confirmou que a empreiteira que leva o seu sobrenome utilizava habitualmente recursos de caixa 2 para fazer doações para campanhas políticas. Reconheceu, por exemplo, que 4/5 dos recursos destinados pela Odebrecht para a campanha de Dilma Rousseff em 2014 tiveram essa origem ilegal. Trata-se de mais um reconhecimento, entre tantos, de que a empresa não nutria especial consideração pela lei, fazendo o que bem lhe interessasse.
A confissão do líder da empreiteira, admitindo que doava recursos fora da lei, não significa, no entanto, que todos os políticos que receberam essas doações praticaram ilícitos, como quer fazer crer o sr. Marcelo Odebrecht. “Duvido que tenha um político no Brasil que tenha se elegido sem caixa 2. E, se ele diz que se elegeu sem, é mentira, porque recebeu do partido. Então, impossível”, disse Marcelo à Justiça eleitoral.
Nessa fala de Marcelo Odebrecht há uma clara confusão entre a doação de dinheiro com origem ilícita, que ele admite, e o recebimento desses valores pelos partidos políticos, o que não necessariamente é ilícito. Se a empreiteira doou dinheiro cuja origem é de caixa 2, ela está encrencada com a lei, pois mantinha recursos à margem da lei. Quem recebeu esse dinheiro estará encrencado tão somente se sabia dessa origem ilícita ou se não declarou esses valores à Justiça eleitoral. Ou se recebeu para, em troca, cometer ato ilícito.
Logicamente, a muitas dessas doações ilícitas corresponderão muitos recebimentos ilícitos, em suas diversas modalidades. Pode haver crime de corrupção passiva e pode haver caixa 2 eleitoral, por exemplo. O ponto é reconhecer que, para provar o recebimento ilícito de doação eleitoral, não basta que o doador diga que o dinheiro que ele doou tinha origem ilícita. Isso é – volta-se a repetir – uma questão pela qual só ele terá de responder à Justiça.
Para configurar o recebimento ilícito de doações é preciso provar que o político que estava recebendo o dinheiro sabia dessa origem ilícita ou se recebia para se remunerar pela concessão de alguma vantagem ilícita. No caso de caixa 2 eleitoral, é necessário provar, por exemplo, que o candidato, ou o seu partido, utilizou para a campanha política recursos que não foram declarados à Justiça eleitoral.
Fazer essas distinções não é mera formalidade, mas ato essencial de respeito às garantias fundamentais de um Estado Democrático de Direito, que exige que toda condenação seja acompanhada das devidas provas. Sem provas, não pode haver condenação. É uma importante proteção para todos que, na esfera penal, os conceitos sejam tratados com rigor, sem confusões que, além de relativizar os atos criminosos, facilitem a ocorrência de injustiças, como, por exemplo, a condenação de inocentes. Uma doação ilegal não é necessariamente seguida de um recebimento ilegal. São ações distintas, cabendo às autoridades investigar se existem provas de que houve conluio.
Ultimamente tem se notado um estranho fenômeno, promovido por variadas frentes, não necessariamente ligadas entre si, de tentar fazer com que doações, lavagens de dinheiro, caixas 2 e ilícitos eleitorais sejam tratados indistintamente, como se fossem a mesma coisa. Trata-se de uma tentativa ardilosa, que busca se atrelar à causa, tão importante para a sociedade, de combate à impunidade. Equivocadamente, dão a entender que a luta contra a corrupção exigiria uma punição geral e irrestrita e tratam qualquer solução diversa como se fosse conivência com a ilegalidade.
Sabiamente, a lei não trata tudo de forma indistinta, reconhecendo a existência de vários crimes e delitos, de natureza, gravidade e esferas diversas. Se a finalidade da investigação e da punição é cumprir a lei, deve-se, pois, obedecer às distinções da legislação.
Especialmente na esfera política, toda essa deliberada confusão entre crimes tem um claro – e irresponsável – objetivo. Deseja-se transmitir a impressão de que tudo está igualmente podre. Com isso, alguns querem que todos os atuais políticos sejam encarcerados ou, ao menos, eliminados da vida pública. Outros pretendem exatamente o oposto, que, sendo todos igualmente sujos, sejam igualmente absolvidos. Nem uma coisa nem outra é boa para o País. O bom, que tanta resistência parece encontrar, é aplicar a lei com rigor e isenção.
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