As contas públicas ainda estão fora de controle, a julgar pelo primeiro relatório de avaliação de receitas e despesas primárias realizado pelo governo. Se nada for feito e as previsões estiverem corretas, o déficit primário do governo central, que foi de R$ 154,3 bilhões em 2016, passará longe da meta de R$ 139 bilhões e atingirá R$ 197,1 bilhões. A equipe econômica calcula que a conta não fechará sem o aumento de alguns impostos para tapar parte de um rombo estimado em R$ 58,16 bilhões.
Fazenda e Tesouro estão jogando segundo as regras estritas do Tribunal de Contas da União, contabilizando receitas que têm maior grau de certeza de serem obtidas e a previsão é bastante conservadora. A arrecadação total cresceu nos dois primeiros meses do ano, e em doze meses tem queda de 1% e continua recuando e a reação da economia poderá fazer com que seja maior do que a Fazenda vislumbra.
O ajuste de contas ficou mais apertado com a armadilha para implantar o teto de gastos, no ponto de partida da escolha da inflação que daria o limite - 7,2% - a inflação de 12 meses encerrados em julho. A partir de setembro, a inflação desabou, foi de 6,29% e possivelmente ficará abaixo de 4,5% no ano corrente. Considerando a meta de inflação e o teto de despesas fixado, de R$ 1,301 trilhão, o teto de despesas seria R$ 32,3 bilhões menor do que o fixado, isto é, mais da metade da economia que agora se faz necessária.
Parte do ajuste foi influenciado também pelos parâmetros otimistas sobre o comportamento da economia. Os tributos administrados pela Receita (exclusive previdência) encolheram R$ 33 bilhões com a redução da estimativa para o PIB de 1,6% para 0,5%. O tombo na receita líquida foi bem maior, de R$ 54,8 bilhões. As despesas com pessoal e encargos, por seu lado, deixarão bem para trás o teto e a inflação corrente - a previsão de gastos com a rubrica é de 10,73% - com gastos adicionais de R$ 9 bilhões graças aos aumentos concedidos por Temer ao assumir a Presidência em 2016.
A receita total estimada é conservadora, de R$ 1,367 trilhão, apenas 4% (nominal) superior à de 2016, que evoluiu 5,4% com um PIB em queda de 3,6%. Pelo lado das despesas, os gastos com benefícios da Previdência continuarão pressionando fortemente o orçamento. A previsão é de um aumento nominal de 9%, ou R$ 55 bilhões. Isto é, só o acréscimo dessa despesa tem o tamanho do rombo que se procura agora fechar e obrigará o encolhimento das demais despesas, em uma trajetória insustentável sem a reforma do sistema.
Pelas projeções do governo no primeiro bimestre, não há como o aumento das receitas superar o dos gastos e parte do hiato pelo menos será preenchido com majoração de impostos, dado o engessamento progressivo do orçamento. Em 2017, se a estimativa coincidir com a realidade, apenas os benefícios previdenciários e gastos com pessoal e encargos sociais totalizarão 64,8% das despesas primárias. Para cobrir o rombo de R$ 58 bilhões e manter a meta fiscal, seria necessário um corte muito profundo nos gastos não obrigatórios. Pelo relatório de avaliação, a base contingenciável de despesas, passível de represamento e cortes, é de apenas R$ 151,5 bilhões e precisaria sofrer um talho de 38,5% - inclusive com subtração de R$ 3,3 bilhões de emendas individuais de parlamentares.
O aumento de impostos foi uma alternativa descartada pelo presidente Michel Temer e pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles e só admitida como solução de última instância. Vários economistas, no entanto, a julgam inevitável, seja porque a realização da meta fiscal seria impossível, seja porque daria mais celeridade ao ajuste iniciado com o teto de gastos. A estratégia gradualista de enfrentar o déficit público não resistiu ao primeiro orçamento sem aumento de impostos.
O descalabro das contas públicas é uma pesada herança do governo Dilma, da qual será difícil o país se desvencilhar. Mas ao não cortar gastos no início, o governo Temer viu a conta chegar agora. Ao aplicar o teto com uma inflação já maior sobre despesas que atingiram seu pico, descobriu que não há corte que baste. A possibilidade de aguardar mais algum tempo e avaliar o pulso da economia antes de decidir elevar impostos tornou-se inviável pela desmoralização do expediente no governo anterior e pela vigilância do TCU. E, de novo, os impostos vão subir.
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