Após ‘sair do armário’, a direita conquista trincheiras importantes nas redes sociais
José Fucs | O Estado de S.Paulo, 26 Março 2017
Não faz muito tempo, era difícil ver alguém se declarar “de direita” no Brasil. Por receio de ser identificado com o regime militar e estigmatizado por amigos, colegas de trabalho e familiares, mesmo sem ter qualquer inclinação pelo autoritarismo, poucos se arriscavam a assumir seus pendores em público. Cair na “malha fina” das “patrulhas ideológicas” podia representar uma mancha irreparável na reputação de qualquer cidadão e até mexer com a sua autoestima.
De repente, parece que o jogo mudou. Depois de quase sumir do mapa político do País desde a redemocratização, nos anos 1980, a direita, como Fênix, está renascendo das cinzas. Hoje, muita gente ainda se incomoda de ser chamada de “reacionária”, “conservadora” e “neoliberal”. Mas, cada vez mais, parece que a turma da direita decidiu “sair do armário” e fazer ouvir a sua voz, sem se preocupar com o que considera como “bullying” ideológico da esquerda.
Impulsionada pelo sucesso das manifestações em favor do impeachment, pelo antipetismo, pela indignação com os escândalos de corrupção e pela crise na economia, essa “nova direita” agora defende suas ideias à luz do dia e está conquistando trincheiras importantes na guerra de comunicação travada com a esquerda nas redes sociais.
Antes um território quase exclusivo das esquerdas, as redes sociais têm sido invadidas por uma série de páginas consideradas de direita. Mais que isso, a direita está conseguindo algo que parecia improvável há alguns anos: impor a sua narrativa, não apenas para uma audiência de mais idade, mas também para os mais jovens.
“A internet desempenhou um papel muito importante para o crescimento da direita no País”, diz a cientista política Camila Rocha, uma das precursoras no estudo do tema. “Com a internet, vários grupos de jovens, que se sentiram órfãos de uma explicação para a crise e decepcionados com a corrupção nos governos do PT, passaram a acessar um conteúdo liberal, que antes era de alcance restrito.”
Segundo uma pesquisa realizada no início de março pela ePoliticSchool (EPS), o número de interações (curtidas e compartilhamentos) em páginas de direita chegou a 14,7 milhões no período, mais que o dobro dos 7,1 milhões registrados em páginas de esquerda. A pesquisa, realizada em 150 páginas de influenciadores, mídia, políticos e partidos, apontou também que 60,5% dos fãs das páginas analisadas eram ligados a correntes de direita.
Embora a contrapropaganda da esquerda ainda procure caracterizar a direita como militarista, os grupos que defendem uma intervenção militar são pouco representativos. O SOS Forças Armadas tinha só 5.546 seguidores no Facebook na quinta-feira passada. Os demais dizem defender a democracia e rejeitam qualquer solução que leve a um rompimento institucional. Nem o deputado Jair Bolsonaro, considerado como o representante com viés mais autoritário depois do SOS, apoia tal proposta.
A rigor, não se pode falar em direita, mas em direitas, no plural, em razão das inúmeras correntes de direita existentes no País. Dos ultraliberais, que defendem a globalização e a interferência mínima do Estado na economia e na vida dos indivíduos, aos nacionalistas e defensores de um Estado forte e interventor, há variações para todos os gostos. Ao contrário do que muita gente pensa, porém, o PSDB não pertence ao círculo. Apesar de ser considerado “de direita” pelo PT e outras organizações de esquerda, o PSDB é visto pelas diferentes correntes de direita como um partido social-democrata, que pouco tem a ver com suas propostas para o Brasil.
Entre as páginas mais populares da “nova direita” na internet, de acordo com um levantamento feito pelo Estado em quase 200 perfis no Facebook e no Twitter, destacam-se as dos movimentos responsáveis pelos protestos a favor do impeachment, com quase 4 milhões de seguidores. Também fazem parte da lista o Partido Novo, com 1,32 milhão de seguidores no Facebook, e o PSL, por meio de sua corrente ultraliberal Livres, que pretende ganhar o controle da sigla.
A “máquina” de comunicação da direita inclui centros de estudos e pesquisa, como o Instituto Millenium, o Instituto Liberal e o Instituto Mises Brasil, com 250 mil seguidores no Facebook. “Os brasileiros se deram conta de que as ideias de esquerda não funcionaram e agora estão buscando uma opção mais liberal”, diz o financista Helio Beltrão Filho, presidente do Mises Brasil, uma organização dedicada ao estudo da obra do economista ultraliberal Ludwig von Mises, da Escola Austríaca.
No grupo dos que seguem carreira solo, brilham políticos como Bolsonaro, com 3,9 milhões de seguidores no Facebook, o prefeito de São Paulo, João Doria, que, mesmo sendo do PSDB, é encarado como um aliado pela direita, e o senador Ronaldo Caiado, do DEM.
Entre os ativistas e blogueiros, sobressai o nome de Kim Kataguiri, o coordenador do MBL, um dos organizadores dos protestos pelo impeachment, com quase 380 mil seguidores no Facebook. Também têm popularidade notável os filósofos Luiz Felipe Pondé e Olavo de Carvalho, o economista Rodrigo Constantino, o publicitário Alexandre Borges e as jornalistas Joice Hasselmann, ex-âncora do canal de TV online da revista Veja, e Rachel Sheherazade, âncora do telejornal SBT Brasil, com 2,4 milhões de seguidores no Facebook. “Estamos ocupando um espaço que nunca foi nosso”, afirma Constantino.
A tropa de choque da “nova direita” produz ainda uma série de páginas de conteúdo e notícias, como Folha Política, com 1,5 milhão de seguidores, Socialista de iPhone e Implicante, entre outras menos cotadas. Merece crédito também o site Brasil Paralelo, criado em 2016 por uma dupla de empreendedores de Porto Alegre, para produzir documentários em vídeo e contribuir para a melhoria da educação e da formação em política e história, sem o viés de esquerda que, na opinião deles, predomina nas escolas do País. Já colheram 88 depoimentos com influenciadores da direita e na semana passada lançaram um filme sobre o impeachment, como contraponto à versão produzida com apoio do PT, focado na ideia do “golpe”.
O toque de purpurina vem de celebridades como os músicos Lobão e Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, o apresentador Danilo Gentili, e Ana Paula Henkel, ex-jogadora da seleção brasileira de vôlei. “Como a esquerda é barulhenta, é muito difícil dizer que ela está errada, mas resolvi dar a cara a tapa assim mesmo”, diz Roger, que recentemente compôs, em parceria com Lobão, uma música em ritmo de rock’n roll, intitulada O bobo, na qual eles ironizam os revolucionários de butique.
“A guinada à direita é a nova contracultura”, diz Ana Paula. Ela vive há quase dez anos em Los Angeles, nos Estados Unidos, e estuda arquitetura e design na UCLA, mas acompanha de perto os acontecimentos no Brasil e costuma publicar comentários engajados no Twitter, para 125 mil seguidores. “As pessoas estão cansadas do politicamente correto.”
Por considerar que a imprensa trata a direita com preconceito, uma das atividades preferidas da brigada direitista é criticar a grande mídia, como faz o presidente Donald Trump, nos Estados Unidos. Surgiu até uma página chamada Caneta Desesquerdizadora, que já tem quase 500 mil seguidores no Facebook, só para expor, segundo seu criador, Marcelo Faria, presidente do Instituto Liberal de São Paulo (Ilisp), o viés de esquerda na mídia. Com uma caneta vermelha, a página destaca notícias consideradas enviesadas dos principais veículos, inclusive do Estado, com as devidas correções.
Apesar da atividade frenética nas redes, quase ninguém consegue pagar suas contas com isso. Talvez o caso de maior sucesso seja o do pessoal do site Brasil Paralelo, que vendeu milhares de assinaturas do conteúdo que produz. Segundo informações não confirmadas pelos fundadores, a empresa teria amealhado R$ 1,5 milhão em seis meses. É sinal de que, ao menos para alguns, a onda da direita na internet pode ser sustentável.
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