- O Globo
Em benefício da democracia, escrevo este artigo. Discorro sobre o que a imprensa brasileira deveria estar tratando ao abordar a reforma política — uma vez que remodelar o sistema político-eleitoral brasileiro é premente e diz respeito a todos os cidadãos. Precisamos tirar a política brasileira da UTI.
As leis que regem as eleições do nosso país datam da década de 1930. De lá pra cá, o Brasil passou por revoluções, golpes — o mais recente em 2016 —, ditaduras e eleições diretas e viveu um processo de impeachment pouco tempo após a redemocratização. Nos últimos anos, propostas de reforma política emergiram do Congresso Nacional com pouco êxito.
Os tempos recentes escancararam para a sociedade que este sistema eleitoral está falido e que a maneira de fazer política se encontra em grave crise. Gastar bilhões em campanhas individuais não se encaixa mais na nova realidade. E foi com esta visão que o STF proibiu, em 2015, a doação de empresas a candidatos e partidos. Entretanto, a medida por si só também não resolveu o problema.
Adicione a este cenário mais um agravante: a profunda crise de representatividade causada pelo fato de a população ser conclamada a participar do processo democrático apenas no período eleitoral, criando cultura de negação da política. E é isso que precisamos mudar.
Para recuperar a estabilidade política, é imperativo que a reforma se debruce sobre dois principais eixos: o financiamento de campanhas e o sistema eleitoral, sem menosprezar outros pontos relevantes, como a descoincidência das eleições, a extinção dos vices e a limitação de mandato das cortes.
Em valores atualizados, as campanhas para eleições legislativas de 2014 custaram aproximadamente R$ 6 bilhões. É surreal pensar em um próximo pleito federal com esta cifra. Além disso, é fundamental coibir o autofinanciamento e o abuso do poder econômico, pois é chegado o momento de trazer a tão necessária isonomia ao processo eleitoral. Para isso, o financiamento público de campanhas é a melhor solução.
Este contexto não apenas inviabiliza o financiamento público, como também dificulta o debate de ideias, programas e propostas. E para fortalecer a democracia é preciso debater programas.
O sistema de lista fechada, adotado por muitos países, é a saída mais viável para o Brasil. Isto porque a Câmara e o Senado devem deliberar com o prazo máximo de um ano de antecedência das próximas eleições. Proponho adotar a lista fechada agora e, após duas eleições, o sistema distrital misto baseado no modelo alemão.
Com a exigência da adoção de rígidas medidas para a democracia interna dos partidos — como a obrigatoriedade de um programa para o Legislativo, a proibição das comissões provisórias, a regulamentação das primárias/prévias/ pré-campanha e a prestação de contas detalhada —, o modelo permite estimular o debate ideológico e, com isso, aproximar o cidadão da vida político-partidária.
Não é aceitável subestimar o eleitor. Não nos enganemos, porque o cidadão não vai comparar listas e partidos. Estejamos muito mais preparados para o debate. Estou convencido de que este é o nosso objetivo. Apenas assim começaremos a construir uma cultura política forte no Brasil.
E, se formos ousados o bastante, faremos desta uma reforma não apenas política; faremos uma reforma de Estado. Não perderemos a oportunidade ter a participação efetiva da sociedade em todo este processo, regulamentando e fazendo valer o artigo 14 da nossa Constituição Federal.
*Vicente Cândido é deputado federal (PT-SP) e relator da reforma política na Câmara
Nenhum comentário:
Postar um comentário