Não faz diferença se serão as Casas legislativas de estados e municípios ou o Congresso que tratarão dos servidores, importa é que as mudanças corretas sejam feitas
Ninguém, em sã consciência, poderia imaginar que a reforma da Previdência transcorreria sem percalços. Um sistema gigantesco que absorve parcelas crescentes dos orçamentos públicos e cujos aposentados, do funcionalismo e empregados da iniciativa privada, já representam, somados, pouco mais de 16% da população, é algo não só complexo em si, mas capaz de mobilizar os mais diversos grupos de pressão na sociedade. Em que se destacam influentes corporações, quase sempre beneficiadas por privilégios de que, por óbvio, não querem abrir mão.
Não bastassem os interesses que orbitam em torno da reforma, o país se notabiliza por um emaranhado de leis e uma Constituição muito detalhistas. Veio daí a possibilidade do segundo recuo do presidente Michel Temer na questão da retirada dos servidores estaduais e municipais da reforma, há pouco excluídos das mudanças a serem feitas pelo Congresso pelo próprio presidente.
Mas como foi alertado de que seria inconstitucional a transferência da revisão das regras de aposentadoria do funcionalismo do restante da Federação para as assembleia legislativas e câmaras de vereadores, o Planalto começou a estudar ontem à tarde outras alternativas.
Não importam quais sejam. O essencial é manter-se a consciência da situação insustentável do sistema previdenciário como um todo. A dos servidores federais recebeu, no primeiro governo Dilma, o aperfeiçoamento do fundo de pensão complementar, para os novos funcionários admitidos a partir de 2013 que desejem receber uma aposentadoria superior ao limite de cinco salários mínimos do regime geral (INSS). Mas não apenas esse fundo, aprovado no primeiro governo Lula e regulamentado só por Dilma, produzirá efeitos fiscais a longo prazo, como as previdências de estados e municípios, por se manterem assentadas em bases também frágeis, sufocam as finanças já desequilibradas de governadores e prefeitos.
Ou seja, cabe ao Congresso ou aos legislativos locais fazer o incontornável: ajustar as regras previdenciárias à nova realidade demográfica do Brasil, em que as pessoas felizmente vivem mais e, por isso, têm de contribuir mais tempo para o respectivo sistema de seguridade.
Estudo da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, citado pelo jornal “Valor”, fornece mais informações sobre o irrealismo de aposentadorias, pensões e gastos ditos sociais no Brasil: dos nove pontos percentuais de PIB do aumento das despesas primárias do governo central, nos últimos 25 anos, 5,6 pontos vieram da Previdência e assistência social; no Brasil, o valor da aposentadoria equivale a 76% do salário na ativa, quando, na Europa, é de 56%; o valor dos benefícios sociais brasileiros em relação ao PIB per capita só é inferior ao da Bélgica.
Por qualquer ângulo que se analise a contabilidade da Previdência e assistência social, constata-se que os gastos brasileiros estão além das possibilidades do país. Os 13% do PIB gastos com aposentados e pensionistas dos setores privado e público são incompatíveis com um país com população ainda relativamente jovem. Portanto, a reforma da idade mínima de 65 anos requerida para a aposentadoria, e outras mudanças, já vêm tarde. Não se pode perder isso de vista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário