- Valor Econômico
Confissão, punição e reparação seria os termos de acordo
O recuo das manifestações de apoio à Operação Lava-Jato pode ter muitos significados, nenhum deles certamente é a liberação do Congresso para fazer o que quiser a fim de proteger as autoridades envolvidas nas investigações. A aprovação de uma anistia ao caixa dois ou a criação da lista fechada para as eleições de 2018, os hits de ontem e de hoje, seriam um verdadeiro tiro pela culatra que dificultaria ainda mais a busca de uma saída para o impasse na qual se encontra a política brasileira. Há outras ideias em debate, algumas mais e outras menos viáveis.
O que os políticos não querem ver é o que o presidente do grupo Andrade Gutierrez, Ricardo Sena, já percebeu e disse à "Folha de S. Paulo", sem meias palavras, na edição de domingo: "Você ficou pelado no meio da rua. Fomos pegos assim". O rei está nu e sem o reconhecimento da culpa, punições e reparação de danos não existe outra saída para os políticos acusados que possa ser aceita pela opinião pública. À esta altura, qualquer manobra para proteger as autoridades implicadas poderá ser entendida como provocação, o que costuma encher de gente as ruas.
Sem radicalização, talvez seja o momento adequado para a discussão de um acordo que permita uma saída para o impasse que hoje opõe políticos desesperados, de um lado, e de outro o Judiciário e o Ministério Público Federal, cujo avanço é inexorável e conta com o apoio da opinião pública. A ideia do "acordão" para "estancar a sangria" da Lava-Jato não pode nem ao menos passar por perto. O modelo poderia ser o das comissões da verdade em países como a África do Sul (no Brasil ela foi boicotada pelos militares) ou mesmo o acordo de paz na Colômbia, como sugerido pelo presidente emérito da Inter-American Dialogue, Peter Hakim.
O primeiro passo seria o reconhecimento dos crimes praticados, propina ou caixa dois. Confissão necessariamente pública, em troca de uma pena mais branda que a prevista nos códigos criminais. De certa forma é o que o Ministério Público Federal já faz nos seus acordos de delação premiada. Os corruptores contaram o que sabiam e receberam em troca o benefício de penas mais leves cumpridas em prisão domiciliar, devolveram o dinheiro desviado, e alguns já foram até impedidos de voltar ao antigo emprego.
Difícil? Com certeza, porque os movimentos da classe política vão todos na direção oposta ao reconhecimento de erros. Pode chegar o momento em que não lhe reste outra opção, mas exemplo do mensalão - o esquema de compra de votos em troca de apoio político no governo Lula - não basta para levar deputados e senadores a esses arroubos de sinceridade.
Um exemplo disso é o projeto de anistia ao caixa dois, que nunca saiu de fato da agenda dos congressistas. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, já disse que se dispõe a discutir uma proposta que tenha autor com nome, sobrenome e CPF. Da primeira vez que se tentou votar o perdão do caixa dois, o projeto era um fluido cósmico, ninguém sabia, ninguém viu nada e muito menos assumiu a paternidade.
Falta sinceridade também no debate sobre a adoção da lista fechada e pré-ordenada para as eleições de 2018. Não é que se trate de algo ruim, a lista fechada é adotada nas melhores democracias e a discussão seria bem-vinda no bojo de uma duradoura reforma política. Mas o que se quer perpetrar agora é uma fraude dos partidos para proteger seus membros do alcance da primeira instância. Deve-se duvidar quando um deputado ou senador diz que é a favor do fim do foro especial.
"Sem foro, é Moro", diz a lógica parlamentar. E a maior preocupação atual dos congressistas é a preservação do mandato nas eleições de 2018, a fim de assegurar o foro parlamentar. Ninguém mais tem dúvidas de que as investigações se estenderão para 2019, 2020... Entre o início e o fim, o mensalão consumiu nove anos, quase uma década, até as sentenças finais de segunda instâncias. O que leva a um outro aspecto do debate: é possível antecipar o fim da Lava-Jato? Juízes e procuradores teriam que fazer parte de eventual acordo nesse sentido. Por isso também outras duas questões seriam fundamentais.
A primeira delas é a punição complementar a ser aplicada ao político que confessar seus crimes em troca de uma sentença mais leve: a perda dos mandatos e da elegibilidade por determinado período. É um passo também obrigatório. No Brasil a inelegibilidade, nos casos de cassação de mandato, costuma ser de oito anos. Parece pouco, mas bem recentemente o Senado se recusou a aplicá-la à ex-presidente Dilma Rousseff. Fernando Collor cumpriu os oito e já está de volta à ativa, sem duplo sentido (o atual senador por Alagoas tem lugar de honra nas listas da Lava-Jato). Ninguém no país pode cumprir mais de 30 anos de cadeia. Pode ser um bom parâmetro. Não é o banimento, como gostariam os que têm sangue na boca, mas retiraria o indigitado por um bom tempo da vida pública.
Outro passo obrigatório seria a devolução do dinheiro roubado aos cofres públicos, seguindo-se o mesmo roteiro usado pelo Ministério Público Federal nos acordos celebrados em Curitiba, no caso da Lava-Jato. Confissão, punição e reparação seriam os termos de um acordo para evitar que a eleição presidencial de 2018 seja definitivamente contaminada pelas investigações e pelas armações ilimitadas de políticos a caminho do abatedouro a fim de salvar o pescoço.
Não há um parâmetro de comissão da verdade da corrupção, mas parece evidente é que nenhum entendimento nesse sentido é capaz de andar sem a participação do Executivo, Legislativo e do Ministério Público Federal. Com cerca de 300 parlamentares citados e 150 autoridades com foro privilegiado implicadas, há muitas dificuldades para a discussão de qualquer saída, sobretudo em virtude da falta de alguém capaz de assumir a liderança do processo como fez o presidente Juan Manuel Santos, no acordo de paz com as Farcs na Colômbia.
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