A maior parte dos Estados tem encontro marcado com uma crise financeira devastadora, parecida com a do Rio de Janeiro, se nada fizerem para controlar o déficit nas contas previdenciárias. Essas contas estavam no vermelho em 22 Estados e no Distrito Federal em 2015 – e os problemas devem ter continuado a agravar-se no ano passado, segundo os dados preliminares. Entre 2009 e 2015 o déficit dos sistemas próprios de Previdência passou de R$ 49 bilhões para R$ 77 bilhões, soma correspondente a pouco mais de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse levantamento, contido em nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foi publicado ontem no Estado. Na semana anterior, o presidente Michel Temer havia decidido excluir Estados e municípios do projeto de reforma previdenciária mandado ao Congresso.
Essa exclusão reduz o custo político da reforma para o governo federal e pode, segundo fontes do Executivo, facilitar a aprovação do projeto. Mas de nenhum modo dispensa as autoridades estaduais e municipais de buscar solução para o desajuste cada vez maior de suas contas. Buscar solução implica, nesse caso, recalibrar as próprias finanças para garantir o funcionamento da administração e o cumprimento das obrigações do poder público, estadual ou municipal. Governadores, prefeitos e seus partidos terão de enfrentar os custos – políticos e fiscais – associados à revisão das normas previdenciárias.
Segundo o relatório do Ipea, o déficit previdenciário dos Estados diminuiu entre 2006 e 2008, muito ligeiramente, e cresceu com vigor a partir de 2009, chegando a 13,2% da receita corrente líquida. Em 2015, 4 unidades eram superavitárias, 1 tinha déficit inferior a 6,5% da receita corrente líquida, 14 estavam na faixa de 6,5% a 13%, 5 no intervalo de 13% a 19,5% e 3 acima deste nível. Os Estados em crise financeira mais funda estavam, naturalmente, nas duas faixas mais altas.
O agravamento da crise da Previdência a partir de 2009 é explicado pelos técnicos do Ipea com base em dois fatores principais. O primeiro é o contraste entre o aumento de servidores inativos (38% na última década) e a quase estagnação dos ativos. Cada trabalhador ativo passou, portanto, a sustentar um número maior de aposentados e pensionistas. O segundo fator foi o forte aumento salarial concedido aos servidores ativos e transferido aos inativos. A elevação real de salários entre 2006 e 2015 foi da ordem de 50%.
Ao manejar suas contas, e especialmente ao conceder aumentos de salários muito acima da inflação, as autoridades estaduais puderam exercer amplamente a autonomia típica de um regime federativo. Eles costumam defender esse tipo de autonomia. Num sistema razoavelmente equilibrado, no entanto, cuidar dos próprios problemas é a contrapartida habitual da autonomia.
É muito mais confortável e menos desgastante apelar para o governo federal para eliminar as dificuldades. Parlamentares defendem o mesmo ponto de vista, quando rejeitam a exigência de ajustes como contrapartida da ajuda federal. Usar recursos federais dessa maneira é assaltar os contribuintes dos demais Estados, convertidos em responsáveis pelos erros de alguns governos.
Não só políticos e alguns sindicalistas, no entanto, apoiam a irresponsabilidade fiscal e o irrealismo financeiro. Políticas desse tipo podem até mesmo ser abençoadas por autoridades da Igreja. Em declaração contra a proposta de reforma da Previdência, classificada como destruidora de direitos, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) propõe, entre outras soluções, “auditar a dívida pública, taxar rendimentos das instituições financeiras, rever a desoneração da exportação de commodities, identificar e cobrar os devedores da Previdência”. Essa proposta mistura tolices do século passado, como a ideia da auditoria da dívida pública, bobagens econômicas, como a taxação das exportações de commodities (os concorrentes do Brasil agradeceriam), e obviedades, como ir atrás dos devedores. Não se faz justiça com ignorância. Isso os senhores bispos deveriam saber.
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