O mais recente debate dos Fóruns Estadão, a respeito dos principais problemas nacionais, abordou o equilíbrio entre os Poderes. Trata-se de assunto que está na ordem do dia, pois é dessa harmonia que depende a superação da imensa crise política, econômica, social e moral que o País atravessa. E o que se observa, segundo vários debatedores, é que esse equilíbrio está sendo ameaçado por conflitos que tendem a agravar a crise, gerando insegurança e dificultando o funcionamento regular da política e da economia.
A perda acelerada de prestígio do Legislativo e do Executivo, tidos cada vez mais como focos da corrupção desenfreada que tomou o País, tem dado ensejo a que muitos magistrados se considerem no dever de definir, por meio de decisões judiciais, políticas públicas que, segundo sua visão, estão contempladas na Constituição, mas não são implementadas por negligência ou inapetência do governo e do Congresso.
Na prática, esse ativismo judicial transforma juízes e promotores públicos proativos em “justiceiros sociais”, que tomam o lugar de legisladores e administradores públicos. No Supremo Tribunal Federal (STF), a maior parte das decisões é tomada por apenas 1 dos 11 ministros, e os prazos, se existem, quase nunca são respeitados. “Não temos um Supremo, temos 11, e cada ministro decide no tempo que quiser”, criticou o diretor da FGV Direito Rio, Joaquim Falcão. O ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto, embora tenha defendido que cada ministro do Supremo deve ter “muita coragem para assumir a própria independência”, concordou que é necessário respeitar prazos.
O ativismo judicial produz assim uma situação mais grave que a gerada pela ausência de certas leis e medidas administrativas. O ativismo propicia a criação arbitrária de direitos que não estão previstos em lei ou contrato, por meio de decisões muitas vezes monocráticas, cujo impacto na ordem social, política e econômica do País é geralmente danoso.
Exemplos desse fenômeno são algumas decisões da Justiça do Trabalho. “O Brasil é o único país em que a Justiça trabalhista pode fazer leis. Ela é geradora de conflitos e reduz a produtividade e a competitividade da economia nacional em vez de proteger trabalhadores”, disse o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. Já o economista José Márcio Camargo, da PUC do Rio de Janeiro, disse que “a Justiça do Trabalho renegocia tudo o que está escrito no contrato”.
A constatação é alarmante. A falta de certeza sobre o cumprimento de contratos inibe negócios e prejudica investimentos. Ninguém é capaz de antecipar, por exemplo, que decisões os juízes do Trabalho tomarão para fazer valer cláusulas não previstas no contrato com os empregados. “Quando o empresário contrata, ele tem de colocar na conta o passivo trabalhista”, disse Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.
Quando se trata das contas públicas, o ativismo judicial tende a prejudicar o planejamento orçamentário. Sempre que um juiz decide que um paciente tem direito a ganhar do Estado algum remédio cujo fornecimento gratuito não está previsto pelo governo, quem sofre é o conjunto da população – porque, ao contrário do que parecem pensar alguns desses magistrados, o custo para cumprir a ordem judicial terá de ser coberto retirando-se a verba de outros lugares. “Eu me preocupo com a crise estrutural das contas públicas”, comentou, a esse propósito, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola. “Como o Judiciário vai conciliar a prestação de serviços sociais e a restrição orçamentária?”
Justiça social não é uma questão de vontade, pois, se assim fosse, já estaria plenamente realizada. Depende de um consenso da sociedade que só será obtido por meio de seus legítimos representantes no Congresso e implementado pelo Executivo. Se esse debate for transferido para o Judiciário, como está acontecendo, tem-se o que Gustavo Loyola chamou de “apequenamento da política”, com claras consequências negativas para a própria democracia.
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