- Valor Econômico
Quando caloteiros da Previdência e da política se unem
Custa a acreditar que o ex-deputado Eduardo Cunha possa fazer falta à Câmara, mas o rumo tomado pelo projeto de terceirização é sinal de que o Legislativo já não oferece ao Executivo o contraponto previsto no texto constitucional.
O projeto negociado pelo ex-presidente da Câmara oferecia garantias mínimas de que as empresas contratantes de mão de obra terceirizadas seriam corresponsáveis pelo cumprimento do contrato de trabalho. As concessões às centrais foram fruto do projeto de poder do ex-deputado. Cunha buscava legitimidade em fatia do sindicalismo para a negociação com setores empresariais que demandavam a legislação e, principalmente, para o enfrentamento com o Executivo.
A adesão inconteste do deputado Rodrigo Maia ao Palácio do Planalto o levou a abandonar o projeto costurado por Cunha e recuperar aquele que havia começado a tramitar no governo Fernando Henrique Cardoso. Este texto, urdido por Sandro Mabel, eterno conselheiro sem pasta do presidente Michel Temer, promove uma terceirização tão ampla, geral e irrestrita que a reforma trabalhista que está por vir talvez nem seja mais necessária.
Os sindicatos já davam como provável que acordos negociados acabariam por prevalecer sobre a legislação trabalhista, mas contavam, como contrapartida, que o reconhecimento da representação no local de trabalho poderia vir a fortalecê-los na queda de braço. Com os rumos tomados pela terceirização, não restará o que ser representado.
Uma vitória governista neste projeto tende a desmoralizar o movimento sindical, minar as resistências e abrir caminho para uma reforma da Previdência o mais próxima possível daquela pretendida pelo Planalto.
Influenciado pelos conselhos de que precisava ganhar a guerra de comunicação com a sociedade, o presidente Michel Temer disse que só ricos estão contra a reforma visto que a grande maioria é beneficiária de aposentadorias de um salário mínimo. Em seu libelo em defesa dos pobres e oprimidos, esqueceu de contabilizar os 25 anos de contribuição, dez a mais que os exigidos atualmente, que a massa de trabalhadores mais desprotegida terá que comprovar para fazer jus ao benefício.
A guerra de comunicação passa ainda pelo aumento de penalidades contra calote em direitos previdenciários e trabalhistas. Empresários passariam a comprometer seu patrimônio pessoal para a quitar a dívida, enquanto gestores públicos poderiam ficar suscetíveis a crime de responsabilidade.
O que está por trás da ideia é mais ou menos a mesma falácia que move o endurecimento de penas no caixa dois que está em curso. Criminaliza para frente e anistia o que passou. Finge ignorar que o Congresso é patrocinado por alguns dos maiores caloteiros da Previdência, como o grupo JBS, também campeão de audiência na Lava-Jato, e lhes presta contas rotineiramente com parcelamento e perdão de dívidas.
Corre paralelamente à reforma da Previdência uma nova edição do Refis, a anistia de passivos empresariais que o Legislativo chancela todos os anos. A oposição petista, sem discurso, propagandeia uma CPI sem prestar contas das razões pelas quais o ano de 2015 bateu o recorde histórico de desonerações - R$ 157,6 bilhões, segundo o insuspeito Dieese - que acabaram por fragilizar a seguridade social.
Reformas da Previdência, no mundo inteiro, são justificadas pela necessidade de reduzir, sobre as futuras gerações, o peso de sustentar aquelas que hoje estão no mercado de trabalho, com variados graus de cerco sobre as razões que produziram seu déficit. O Brasil está para produzir uma obra-prima do gênero com as duas reformas que estão na agulha. Fragiliza as condições de trabalho, faz convergir o dia em que a maioria se incapacita para a lida e para a vida, e libera as contribuições previdenciárias para o custeio dos mais variados calotes.
Pendurados na brocha
A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal que recebeu a denúncia contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro deve ampliar e acelerar tratativas do Congresso para anistiar crimes do financiamento eleitoral.
Não se trata mais unicamente de perdoar o caixa dois. Com a decisão da quarta-feira, urge também limpar a barra dos destinatários de doações oficiais. No voto mais contundente da sessão, o ministro Celso de Mello foi claro sobre a responsabilidade do candidato em relação à licitude do dinheiro recebido. Foi na contramão do movimento do Congresso em isentar a contratante de responsabilidade no descumprimento da lei trabalhista pelas terceirizadas.
A decisão por três (Mello, Fachin e Lewandowski) a dois (Mendes e Toffoli) voltou-se contra um senador pemedebista, mas exigirá muita criatividade dos ministros para não ser aplicada aos demais partidos.
A deixa para a reação parlamentar foi sugerida por Gilmar Mendes - sempre ele - na véspera. O ministro disse que os parlamentares deveriam voltar a se debruçar sobre o tema, advogando contra a própria Corte à qual pertence. Em 2015, o Supremo decidiu pela ilegalidade de doações empresariais, respaldando a então presidente Dilma Rousseff no veto a contribuições a campanhas.
Afinado com o presidente da Câmara, Mendes se valeu do apelo de que a política tradicional não terá vez contra Bolsonaro, Joaquim Barbosa ou até mesmo Ciro Gomes se não tiver meios de se financiar. A constatação é real. Falaciosa é a tentativa de encobrir a distribuição de biombos contra a Lava-jato.
Uniu-se à tarefa o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com a defesa daqueles que compactuam com ilícito para se eleger contra aqueles que o fazem para enriquecer. Mendes parecia buscar apoio contra tendência que já previa delineada na turma, mas deixou pendurado na brocha aqueles a quem convenceu. Resta agora ao primeiro-ministro togado ampliar sua base no Congresso contra a decisão antes que esta venha a formar jurisprudência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário