- O Globo
Não temos onde depositar esperança. A sensação que sinto diante disso tudo é de enorme desalento. Sempre me surpreendi com quem só pensa no poder, nunca entendi direito esse desejo doentio de mandar nos outros. E, de preferência, em todos. Mas nunca deixei de aceitar a necessidade de um governo, de uma concertação em torno da vida em comum, num mesmo espaço geográfico e cultural a que chamamos nação. Não tem outro jeito.
Essa ideia abstrata de nação é que nos mantém juntos, em torno do projeto simples de sermos felizes, uns com os outros. Por isso que o fracasso da nação nos faz tanto mal, nos faz sofrer tanto. Porque ele é a constatação de que fomos incapazes de realizar o sonho a que estávamos generosamente destinados. Essa distância entre destino e logro, entre o que almejamos e o que conseguimos, nos faz penar por que ainda acreditamos (ou acreditávamos) em nós mesmos.
Não vamos perder tempo com os exemplos históricos. Eles começam lá atrás, talvez com a Independência, feita pelo príncipe colonial para que tudo continuasse como sempre esteve; passam pela República, proclamada pelos senhores de terras, latifundiários que assim se vingavam da Abolição imperial; e vão até o acerto cordial para o fim da recente ditadura. Tudo se mistura sem formar caráter, como numa sopa sem gosto.
Diante de tantos graves erros políticos e morais de todas as tendências e partidos, não temos mais onde depositar nossa esperança, não vemos mais a quem confiar a nação. Não achamos mais nem mesmo por quem torcer, como no futebol, coisa que sempre nos fez respirar e sobreviver.
Mesmo numa dolorosa experiência política, como a do golpe de 1964, sempre podíamos sonhar com uma saída e torcer por nossos possíveis heróis. Enquanto os militares instalavam o poder autoritário, ouvíamos dizer que Brizola preparava a reação no sul, nos sussurravam que Marighella e sua gente se armavam, nos garantiam que a esperteza de Ulysses e Tancredo não ia nos deixar nessa por muito tempo.
Hoje, da nossa arquibancada cívica, assistimos a um jogo secreto que, de vez em quando, só nos revela incompetência e propinas. Sempre com muito escândalo. Mas talvez seja essa a esperança que nos resta — agora, que não temos mais por quem torcer e vamos depender exclusivamente de nós mesmos, temos que tentar reconstruir o país como se estivéssemos começando do começo, começando de zero.
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Quer dizer que uma dezena de jovens cineastas inviabiliza o festival de cinema do Recife, a 21ª edição do Cine PE, retirando seus filmes do certame na véspera da inauguração, porque, “em nome do estado democrático de direito”, desaprova a seleção de duas outras obras, com as quais não concorda? Então só é democrático e de direito o gesto a favor do que pensamos; não há, portanto, espaço para a diferença em nosso estado político?
O que esses rapazes e moças fizeram é uma vergonha para quem deseja se manifestar através da cultura, um território humano que só existe, em toda a sua dimensão, se for exercido em liberdade. Uma liberdade que é a única fonte possível de qualquer manifestação do pensamento.
Eles se comportaram com a intolerância infantil de uma torcida belicosa de futebol, impondo ideias sem permitir o confronto com o outro lado. Não é essa a tradição de nossos melhores cineastas, nem de nosso melhor cinema do passado ou do presente.
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A decadência das UPPs, vítimas do descaso, da incompetência e da corrupção de nossos homens públicos, está agravando a violência em nossas favelas. No complexo da Maré, somente nos quatro primeiros meses de 2017, já foram assassinadas 18 pessoas, sendo duas delas policiais. As escolas e postos de saúde estiveram fechados por vários dias, o comércio local é vítima permanente de enfrentamentos, nenhum morador está a salvo da violência de bandidos e policiais.
Em função disso, instituições da Maré, como escolas, associações de moradores e comerciantes, igrejas e clubes, se mobilizaram para criar o fórum “Basta de violência, outra Maré é possível”. Segundo Eliana Sousa Silva, uma das líderes do fórum, “a favela não pode ser arena de uma guerra sem sentido, que gera dor, revolta e morte”.
A primeira ação pública do fórum será a realização de uma marcha por favelas do Rio de Janeiro, na próxima quarta-feira, dia 24, reunindo os que acreditam que outra favela é possível. Todos nós, que moramos nesta cidade, temos a obrigação de acreditar nisso e dar força para que isso seja verdade.
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Cacá Diegues é cineasta
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