domingo, 21 de maio de 2017

Delações expõem engrenagens da velha política | Editorial | O Globo

O conjunto de testemunhos do empresário do grupo JBS é uma aula sobre como funcionam, na prática, o suborno e a compra de políticos e de favores

As delações do empresário Joesley Batista, do grupo JBS, começaram a estarrecer o país no início da noite de quarta-feira, quando O GLOBO publicou trechos da explosiva conversa entre Batista e o presidente Michel Temer, em uma noite de março no Palácio do Jaburu.

O presidente reagiria no dia seguinte, com um discurso veemente, anunciando que não renunciaria, embora a Procuradoria-Geral da República, responsável pela negociação da colaboração do empresário, pedisse abertura de inquérito ao STF para investigá-lo. Aceito pelo ministro Edson Fachin.

A divulgação, na sexta, de vídeos em que Joesley relata passagens de seus testemunhos, inclusive a conversa com o presidente, confirmou o relato do jornal: Temer de fato estimulou o empresário a continuar a dar mesadas aos encarcerados Eduardo Cunha e Luís Funaro, operador financeiro do ex-deputado. E assim, Temer perdeu as condições de continuar no Palácio do Planalto.

Também é explosivo o próprio conjunto das primeiras delações feitas por Batista. Elas expõem, como já aconteceu em alguns testemunhos da cúpula da Odebrecht, as engrenagens da velha política brasileira em funcionamento, lubrificadas por centenas de milhões de dinheiro ilegal, roubado do contribuinte.

Compra-se muita coisa: textos de leis e de medidas provisórias, apoio a deputados, ajuda em órgãos públicos etc.

Pode-se argumentar que as pessoas gravadas por Joesley — além de Temer, o senador Aécio Neves, por exemplo — foram instigadas a ter conversas nada republicanas por alguém interessado em entregar o material ao Ministério Público Federal, em busca de alguma alforria para ele e seus negócios. O grave, porém, é que os grampeados aceitaram o conteúdo e o tom das conversas.

É emblemático que um empresário, sem qualquer registro, entre à noite na residência do presidente da República, e seja recebido, mesmo sendo uma pessoa processada e investigada. Aqui começam a ficar visíveis usos e costumes da velha política, simbolizados na troca de favores fisiológicos, compadrios e tudo mais.

Temer não deveria ter recebido Joesley, nem ser informado de atos de corrupção explícita sem reagir: menção a suborno de juízes, de um procurador infiltrado na Lava-Jato — Ângelo Goulart Villela, preso depois —, e, tanto quanto isso, permitir que o empresário pressionasse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para atingir objetivos privados no Cade, na CVM e em outros órgão públicos. Muito menos conversar sobre juros, tema da seara exclusiva do Banco Central.

Nesta aula de como a velha política é exercida — pela situação e oposição —, um ponto alto é a indicação por Temer, a Joesley, do deputado Rocha Loures (PMDB-PR), para resolver “todos os problemas” do empresário. Pode haver muito de encenação e blefes nesses contatos, em que cargos são oferecidos como num mercado persa. A Joesley foram colocados sobre a mesa vários postos. Pode ser teatro, mas está registrada a entrega da primeira mesada de R$ 500 mil ao deputado Loures, como remuneração por uma ajuda no Cade numa divergência sobre o preço do gás cobrado pela Petrobras a uma termelétrica do grupo JBS.


O lado positivo da crise é a demonstração clara de que esta velha política não pode mais ter espaço no país. Não será por desconhecimento que este sistema político deixará de ser removido, por meio de reformas, como a política, e pelo voto.

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