- O Estado de S.Paulo
Depois de tudo o que aconteceu, o quadro confuso não dissipa as incertezas.
As gravações apresentadas pelo empresário Joesley Batista não permitem concluir que o presidente Temer aprovou a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha. Mas o conteúdo lá exposto e todo o resto não têm nada de edificante nem poderiam ser tolerados por um presidente do qual se espera defesa intransigente dos valores republicanos. É dinheirama pra lá e pra cá; deputado de confiança encarregado de pagar mesadas. E há relatos, verdadeiros ou não, de controle pelo empresário de juízes e de procurador. A tudo o presidente Temer reage quase monossilabicamente, com expressões que em nenhum momento revelam nem desaprovação nem espanto.
Esse conteúdo pode não servir para comprovar ações destinadas a obstruir a Justiça e de organização criminosa, como passou a ser investigado, mas podem ser suficientes para destruir o apoio do presidente no exercício de sua função, numa conjuntura delicada e de equilíbrio político precário.
Está em jogo a governabilidade, numa hora em que o simples adiamento das reformas pode provocar enormes turbulências e criar mais dúvidas sobre a capacidade da administração de garantir a saúde das contas públicas.
É altamente improvável a melhor hipótese de solução: a de Temer sair fortalecido da crise e de retomar com ainda mais energia a agenda das reformas e da recuperação, para entregar uma economia minimamente equilibrada para seu sucessor em 2019.
Isso posto, três parecem os cenários com que se pode trabalhar. O primeiro é o de que o presidente conseguisse se livrar de uma condenação, mas não recuperasse um mínimo de apoio político. Nessas condições, não seria nem sequer um pato manco, como gostam de dizer os americanos. Seria um pato sem pernas, sangrando pelo resto do mandato. A economia voltaria a perder gás, sem capacidade para garantir a recuperação do emprego e a sucessão se daria num ambiente conturbado.
O segundo cenário é o de que Temer se desse conta de que não valeria a pena resistir e se dispusesse a renunciar. Nesse caso, seria inevitável a convocação de eleições indiretas para escolha de um presidente para um mandato-tampão, o que ainda exigiria a definição de regras do jogo, provavelmente pelo Supremo. (A legislação atual não define, por exemplo, quem estaria apto a se candidatar, se seria exigida desincompatibilização prévia e qual a maioria necessária para eleger o novo chefe de Estado.) Em todo caso, a eleição indireta parece em condições de assegurar um mínimo de governabilidade, mas ainda seria preciso ver até que ponto um presidente de transição estaria em condições de manter o programa do atual governo.
O terceiro cenário, altamente improvável, é o de eleições diretas. Exigiria, como já lembrado por esta Coluna, uma reforma da Constituição de complicada tramitação: aprovação no Congresso, em dois turnos, com três quintos dos votos, situação pouco aceitável para os atuais congressistas, considerem-se eles os tais 300 picaretas ou não.
Os próximos dias tendem a deixar esse futuro mais claro, mas não necessariamente menos incerto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário