- Valor Econômico
Seria um desastre o país entrar em dominância fiscal
O tornado que abalou o presidente da República, Michel Temer, pode levar o país a um colapso econômico. Fontes do setor financeiro privado alertavam, ontem, para o risco de empresas quebrarem, de o pouco crédito que ainda existe desaparecer e de a economia afundar em depressão, abortando a tênue recuperação da atividade depois de três anos de profunda recessão.
A crise, deflagrada pela delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista, da holding J&F, que controla o JBS - que, com a anuência do STF e a ajuda da Polícia Federal, gravaram o presidente da República supostamente avalizando a compra do silêncio do deputado cassado e preso, Eduardo Cunha - encontra um país frágil, sem forças para "sangrar" em mais uma turbulência.
A própria dinâmica da dívida pública, hoje, não afasta o risco extremo da "dominância fiscal", a antessala da insolvência do Estado que pode resultar até em um temido calote da dívida pública.
Para a economia, a melhor solução seria um rearranjo rápido das forças políticas, com a renúncia de Temer e a convocação de eleições indiretas, advogavam analistas privados. Ontem à tarde, em pronunciamento à nação, Temer descartou tal hipótese: "Não renunciarei. Não renunciarei", disse e repetiu o presidente.
Ato contínuo, o dólar acelerou a alta e o Ibovespa aprofundou a queda, prenunciando ambiente instável nos próximos dias.
Na noite da quarta-feira, ainda atordoados pela notícia da delação publicada pelo jornal "O Globo", o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, definiram a estratégia de atuação no mercado de títulos e de câmbio comunicada na manhã de ontem. O BC divulgou nota dizendo que atuaria para manter a plena funcionalidade dos mercados e fez vários leilões de swaps cambiais. O Tesouro Nacional suspendeu os leilões de títulos prefixados (LTN) e atrelados à Selic (LFT) que faria ontem e avisou, à tarde, que fará leilões de compra e venda de papéis prefixados e indexados ao IPCA (LTN, NTN-F e NTN-B) hoje, na segunda e terça-feira.
Meirelles comentou que a situação exige "firmeza e serenidade", disse que não pretende deixar o governo e salientou os avanços conseguidos neste um ano de gestão Temer, com inúmeras medidas e reformas importantes aprovadas no Congresso. Ilan deixou claro, na nota do BC, que o monitoramento e a atuação do BC foca no bom funcionamento dos mercados e que "Não há relação direta e mecânica com a política monetária, que continuará focada nos seus objetivos tradicionais". Ou seja, na inflação. Mas o fato é que se a macroeconomia desandar, dificilmente o Comitê de Política Monetária (Copom), que se reune no fim do mês, vai intensificar ainda mais o corte dos juros.
Pouco mais de 24 horas após a notícia da delação dos irmãos Batista é pouco tempo, contudo, para avaliar o tamanho do estrago produzido pela delação premiada e quais são as reais forças de Temer para permanecer no comando do país e aprovar as reformas trabalhista e previdenciária no Congresso.
Os avanços até aqui, com a forte queda inflação, o corte de 300 pontos básicos na taxa de juros (Selic), uma taxa de câmbio comportada podem ir por água abaixo. Os progressos obtidos em um ano de gestão Temer foram ancorados na aprovação da emenda constitucional que estabeleceu um teto para a expansão do gasto público. A lei do teto só fica em pé se for aprovada a reforma da Previdência, que seria votada no plenário da Câmara na próxima semana. Sem as reformas, as expectativas de conserto das contas públicas vão se dissipar, podendo dar lugar a um quadro arriscadíssimo de dominância fiscal.
O país esteve muito perto dessa situação nos anos de 2014 e 2015, quando a deterioração das contas públicas contaminou as expectativas sobre a dinâmica da dívida pública e gerou grande volatilidade nos preços dos ativos.
Essa é uma cena em que a inflação é pressionada pela desvalorização da taxa de câmbio e o aumento dos juros (Selic), para conter a elevação dos preços, acaba por desvalorizar mais o câmbio e elevar a inflação de maneira explosiva.
O país também experimentou situação similar em 2002, quando Lula foi eleito para o primeiro mandato de presidente da República.
A solução, na época, foi política. Agora também deveria ser.
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A cada novo episódio confirma-se que a Lava-Jato é uma operação destinada a punir mais os corruptos do que os corruptores. O acordo fechado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da J&F, holding que controla a JBS prevê o pagamento de uma multa de R$ 225 milhões e total imunidade. Não haverá nenhuma denúncia criminal pelo Ministério Público Federal. Eles não serão presos nem usarão tornozeleira eletrônica, como outros executivos de empresas envolvidas nas investigações.
O acordo assinado com a Procuradoria Geral da República e homologado pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, permite que os irmãos Batista continuem no comando da maior companhia de proteína animal do mundo. Em contrapartida, além das gravações que Joesley fez com o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves, revelados pelo jornal "O Globo", os executivos e a empresa terão de entregar todos os negócios ilegais.
Foi um ótimo acordo para os irmãos Batista, os maiores financiadores da campanha eleitoral de 2014 para os diversos candidatos.
Em recente entrevista à repórter Maíra Magro, do Valor, o ministro do STF, Marco Aurélio Mello, criticou o fato do Ministério Público negociar pena. Essa seria, segundo o ministro, atribuição exclusiva do juiz.
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