Este grave momento da vida nacional deverá passar à história como aquele em que a irresponsabilidade e o oportunismo prevaleceram sobre o bom senso e sobre o interesse público. Tudo o que se disser agora sobre os desdobramentos do terremoto gerado pela delação do empresário Joesley Batista, em especial no que diz respeito ao presidente Michel Temer, será mera especulação. Mas pode-se afirmar, sem dúvida, que a crise é resultado de um encadeamento de atitudes imprudentes, tomadas em grande parte por gente que julga ter a missão messiânica de purificar a política nacional. A consequência é a instabilidade permanente, que trava a urgente recuperação do País e joga as instituições no torvelinho das incertezas – ambiente propício para aventureiros e salvadores da pátria.
O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado os votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência. Implicar Temer em uma trama para subornar o deputado cassado Eduardo Cunha a fim de mantê-lo calado, como fez o delator, segundo o pouco que chegou ao conhecimento do público, seria suficiente para justificar seu afastamento e a abertura de um processo contra o presidente – o Supremo Tribunal Federal já autorizou a instauração de inquérito.
É preciso destacar, no entanto, o modus operandi do vazamento. A parte da delação que foi divulgada não continha senão fragmentos de frases transcritas de uma gravação clandestina feita por Joesley Batista em uma conversa com Temer. Não se conhecia o contexto em que o diálogo se deu, porque a gravação não foi tornada imediatamente pública. Durante as horas que se seguiram à divulgação da existência do explosivo material, mesmo que não se soubesse o exato teor do que disse Temer, criou-se um fato político gravíssimo. A demora em tornar pública a gravação se prestou, deliberadamente ou não, a prejudicar o acusado, encurralando-o. A versão que certamente interessava ao vazador, portanto, se impôs.
Até mesmo uma conversa informal, na qual Temer teria confidenciado a Joesley Batista que a taxa de juros estava para cair – o que qualquer pessoa medianamente inteirada da conjuntura já imaginava –, está sendo interpretada como tráfico de informação privilegiada. O Banco Central informou o óbvio – que não há possibilidade de que Temer tenha tido conhecimento antecipado de uma decisão sobre juros –, mas, num momento em que o debate político se resume ao disse que disse frívolo das redes sociais, prevalece não a verdade, mas o rumorejo.
Não é de hoje que há vazamentos desse tipo – e isso só pode ser feito por quem tem acesso privilegiado a documentos sigilosos. Ao longo de toda a Operação Lava Jato, tornou-se corriqueira a divulgação de trechos de depoimentos de delatores, usados como armas políticas por procuradores. O vazamento a conta-gotas das delações dos executivos da Odebrecht que envolvem quase todo o Congresso Nacional, mantendo o mundo político em pânico em meio a especulações sobre o completo teor dos depoimentos, foi um claro exemplo desse execrável método.
Enquanto isso, fica em segundo plano o fato de que Joesley Batista e outros delatores sairão praticamente livres, pagando multas irrisórias, embora tenham cometido – e confessado! – cabeludos crimes. Para honrar tão generoso acordo com o Ministério Público, o empresário saiu por Brasília a armar flagrantes, com gravador escondido no bolso, a serviço dos que pretendem reformar a política na marra.
Nesse clima de fim de mundo, revoam os urubus. Parlamentares e líderes políticos, uns mais criativos que outros, propõem as soluções mais estapafúrdias para uma crise que só existe porque grassa a insensatez entre aqueles que deveriam preservar a estabilidade no País.
Resta demandar que a Constituição não seja rasgada ao sabor das conveniências daqueles que lucram com o caos.
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