Opiniões: Fábio Wanderley Reis, David Fleischer, José Alvaro Moisés e Lincoln Secco*
- O Estado de S.Paulo
País pode não se acalmar nem mesmo com eleições diretas | Fábio Wanderley Reis*,
Ninguém tem uma resposta clara e segura sobre como sair da crise. Vivemos uma situação perigosamente incerta. Nossa realidade é muito fluida e repleta de nuances. Mesmo pensando em eleições diretas, que acredito ser a solução mais adequada, existe um fator de desequilíbrio e de acirramento das tensões: a possibilidade de eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Existe uma clara tensão entre o que chamamos de opinião pública e o eleitorado. São elementos diferentes nesse debate. A opinião pública, embora não hegemônica, é claramente contra aquilo que o Brasil viveu nos últimos 14 anos (PT, Lula e Dilma). Essa opinião pública se contrapõe à tendência hegemônica do eleitorado popular, que é propenso a acreditar no PT, no ex-presidente Lula e na presidente cassada Dilma. Ou seja, temos um embate entre opinião pública e eleitorado.
Isso cria uma situação peculiar e perigosa. Temos aqui a raiz do que hoje entendemos como polarização, uma polarização odienta, diga-se de passagem. Do lado da opinião pública está a classe média, uma parte da população com mais recursos e informação; do outro lado, temos um eleitorado pouco atento e desinformado. No fim, quem vence eleições é esse eleitorado. A dinâmica da nossa sociedade está claramente prejudicada por essa dicotomia.
Temo até por soluções mais radicais, como alguma onda militarista, para dissolver esse conflito. Não é algo provável, mas também não pode ser totalmente descartado.
Na democratização, chegamos a acreditar que o processo eleitoral iria diluir todos os conflitos e tensões. Hoje, descobrimos que o próprio processo eleitoral traz consigo essas tensões e conflitos. Além disso, a aposta que alguns setores fizeram de que seria possível fazer o impeachment, manter o PMDB no controle do governo e conseguir arrumar a casa revelou-se, claramente, uma aposta errada.
Como vamos superar o erro dessa aposta? Se as eleições acontecerem agora, a tendência é que Lula seja eleito, a menos que haja a exclusão de sua candidatura. Com uma possível vitória de Lula, teremos uma reação da opinião pública em contraposição ao eleitorado. Ou seja, só irá intensificar a polarização que vivemos hoje. Sei que a ideia era falar sobre “como sair da crise’’, mas vivemos um momento tão problemático e de tantas incertezas que mesmo a possibilidade de eleições diretas pode não ser legitimadora e acalmar o país. Podemos resolver um problema criando outro.
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*Cientista político e professor emérito da UFMG
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A saída seria eleger um presidente que continue as reformas | David Fleischer*
Como sair da crise? Esta indagação talvez possa ser “como não cair na crise de novo?”, pois o grande esforço neste momento é não deixar o Brasil mergulhar na ingovernabilidade novamente e não escorregar de volta para uma profunda recessão econômica – como tivemos nos últimos dois anos.
A atual crise política que impacta diretamente a economia começou na noite de 17 de maio com as notícias das gravações de conversas entre Joesley Batista e Michel Temer, que indicaram tentativas de obstrução da Justiça e provocaram demandas para a renúncia do presidente.
A preocupação é que o governo Temer perca apoios no Congresso e se torne inviável – como reflexo da total falta de governabilidade que ocorre quando muitos dos partidos na coalizão de apoio rompem com o governo – como aconteceu com a presidente Dilma Rousseff no início de 2016, quando a sua coalizão se desintegrou.
Como sair desta crise? É evidente que a continuação do governo Temer é insustentável. Se ele renunciar ou for removido pelo TSE no início de junho, a Constituição determina que o presidente da Câmara dos Deputados assuma o governo interinamente por 30 dias e que o presidente do Senado convoque o Congresso para selecionar novos presidente e vice-presidente para terminar o mandato de Michel Temer até 1.º de janeiro de 2019.
O PT e seus aliados no Congresso estão tentando aprovar uma PEC para ter eleições diretas para eleger um novo presidente antes que Lula seja declarado inelegível. Este grupo não tem maioria no Congresso para aprovar a PEC – mas o valor desta “propaganda” é importante para 2018.
A “saída” seria eleger um presidente que dê continuidade ao programa econômico de austeridade e reformas, e consiga a aprovação destas no Congresso – para restaurar a confiança dos investidores nacionais e internacionais no Brasil.
No meu modo de ver, esta pessoa poderia ser o atual ministro da Fazenda – Henrique Meirelles – com apoio da base de apoio do governo Temer no Congresso.
Meirelles é “ficha limpa”, não tem contra ele acusações de corrupção e mantém excelentes relações com o setor privado. Ele tem demonstrado habilidade nas suas relações com os deputados e senadores da base de apoio nos seus esforços para aprovar as medidas de austeridade e nas negociações para aprovar as reformas.
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*Professor emérito de ciência política na Universidade de Brasília
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O risco de nova fase de instabilidade política é gritante | José Alvaro Moisés*
A menos que as avassaladoras delações do dono da JBS tenham sido um golpe, a decisão do presidente Michel Temer de não renunciar pode ter sido apenas o adiamento do início de uma sangria política que mal começou. A partir da liberação dos áudios das conversas do presidente com o empresário Joesley Batista no Palácio do Jaburu, o País e o mundo político puderam saber o tamanho do estrago que nos atingiu nos últimos dias.
A informação é importante para virarmos a página rapidamente e prosseguir no esforço de superação da crise. Mas a decisão do presidente de permanecer no poder, sem explicar de modo adequado o que aconteceu, deixou o país imerso na incerteza.
O risco de uma nova fase de instabilidade política é gritante, haja vista as propostas de abertura de processos de impeachment que estão pipocando no Congresso Nacional.
Mesmo admitindo-se que o presidente da Câmara dos Deputados, um aliado de Temer, consiga barrar a abertura dos processos, a ausência de explicações para o envolvimento do presidente na eventual operação de “compra” de silencio do ex-deputado Eduardo Cunha abre margem para as manifestações de rua, com a volta do “fora Temer” que o presidente disse sentir falta, mas que podem levar ao paroxismo os seus índices de impopularidade.
A sangria também pode solapar a base de apoio do presidente no Congresso, afetando as condições do que, com grande zelo, ele vinha construindo para aprovar o ciclo de reformas destinadas a permitir a retomada do crescimento econômico e a criação de empregos.
Alguns ministros, do PPS e do PSDB, já estão abandonando o barco, sinalizando que não será fácil manter a fidelidade de parlamentares que enfrentarão o desafio de sua reeleição em 2018, quando terão de explicar o voto em reformas antipopulares e, mais ainda, o apoio a um presidente acusado de obstrução da Justiça.
Se verdadeiras as denúncias, o menos traumático teria sido Temer renunciar e abrir a possibilidade de sucessão nos termos da Constituição, seja pela eleição indireta no Congresso, seja pela convocação de eleições diretas gerais, objeto de uma proposta de emenda constitucional em tramitação.
A vantagem dessas alternativas seria a de abrir espaço para a pacificação do País e, principalmente, para a recuperação da política, algo visto hoje como um terreno de negócios feitos contra os interesses da comunidade. O cenário, a se manter, é um antídoto da democracia.
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*Professor de ciência política na USP
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Eleições gerais seriam a aposta mais popular, mas haveria riscos | Lincoln Secco*
As denúncias que atingiram Michel Temer são as mais graves da história do Brasil sobre um chefe de Estado. Nem o impeachment de Collor se baseou em provas tão cabais como a gravação dentro do gabinete presidencial. Os historiadores conhecem bem o caso das cartas falsas de Artur Bernardes na distante República Velha. Elas desataram uma crise militar que acabaria por demolir o regime político anos depois. E, no entanto, eram falsas... Já aqui não parece haver dúvida que o atual presidente cometeu um crime no exercício do mandato.
Estamos diante do risco de mergulhar o País numa crise generalizada de autoridade sem que haja uma força política para recompor as instituições. Como nos anos 1920, à crise política se soma a econômica e, no lugar dos tenentes com seu discurso moralizador, aparecem os juízes.
Fossem outros os tempos, haveria partidos capazes de constituir uma coalizão para levar o País até as próximas eleições. Em 1930, Getúlio Vargas liderou um arranjo de oligarquias dissidentes apoiado pelo Exército e instaurou um novo regime político.
Em tempos mais recentes, após a queda de Collor, seu vice, Itamar Franco, cumpriu esse papel ao liderar uma aliança dos grandes partidos. Isso não é possível hoje por dois motivos: eles estão desmoralizados e viveram um período de radicalização que destruiu as pontes de entendimento entre eles.
Já um presidente eleito indiretamente teria o mesmo pecado de origem do governo atual que é a falta de legitimidade obtida nas urnas. E sua escolha caberia a um Congresso suspeito de corrupção.
Mesmo que se elegesse alguém acima dos partidos, essa pessoa teria que governar com eles e se posicionar sobre as reformas que aprofundaram a impopularidade de Temer: a trabalhista e a da Previdência.
Uma emenda constitucional que permitisse as eleições diretas teria a vantagem de devolver ao povo o poder que é dele numa democracia. Só que o eleito teria um mandato curto demais para não decepcionar os eleitores.
Refundar a República mediante eleições gerais do Congresso, do Presidente e de uma Assembleia Constituinte exclusiva seria a aposta mais popular. Mas, como toda aposta, comportaria riscos como um regresso conservador ou a eleição de um outsider sem apoio organizado na sociedade civil. E a probabilidade seria mínima, pois a história nos ensina que políticos em seus mandatos jamais largam o osso.
A crise ainda parece não ter fim.
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*Historiador e professor da USP
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