As delações do dono do grupo JBS também são pluripartidárias, sem discriminações, como já se observou em outros testemunhos
A Carta e as instituições têm passado, com êxito, por duros testes, e não deve haver dúvidas de que são o caminho para superar o atual
Noticiada a partir do início da noite de quarta-feira pelo GLOBO, a delação de um dos donos do grupo JBS, Joesley Batista, inclui conversa com o presidente Michel Temer em que o empresário o informa de que paga uma mesada a Eduardo Cunha e ao operador financeiro deste, Lúcio Funaro, em troca de seu silêncio. E teria sido encorajado pelo presidente: “Tem que manter isso, viu?” Temer rejeita esta interpretação.
Caso tudo seja confirmado, ficará claro que pesaram muito os usos e costumes de um tipo de prática política inaceitável, também vista no PMDB do presidente. Temer não poderia ouvir o que ouviu sem reagir.
O Planalto passou o dia de ontem em busca da gravação — à noite conseguiu autorização do Supremo —, para decidir sobre algum pronunciamento de Temer. Mesmo antes de conseguir acesso ao material, o presidente, em pronunciamento de pouco menos de cinco minutos, tachou a gravação de “clandestina” — o que não lhe tira validade jurídica — e garantiu que não renuncia. Falou por duas vezes, enfático.
O conluio do presidente com a venda de favores também fica exposto, segundo a delação, pela indicação a Joesley que procure pessoa de sua confiança, o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), para tratar de assunto de interesse do grupo de frigoríficos junto ao Cade, órgão que trata da defesa da livre concorrência.
Os acertos com Loures também são bombásticos. Em troca da ajuda de Loures para que o Cade resolva a favor do JBS uma disputa com a Petrobras sobre o preço do gás fornecido a uma termelétrica do grupo, o deputado receberia R$ 500 mil mensais, por 20 anos, tempo da vigência do contrato da termelétrica com a estatal para receber o combustível. Só embolsou a primeira mesada. Tão grave quanto tudo é a menção feita pelo amigo de Loures de que aquela proposta de propina seria informada a alguém acima dele. Claro, falta provar.
A delação de Joesley rivaliza em gravidade com a feita pela cúpula da Odebrecht —, pelo que se conhece até agora. Se dos testemunhos de Emílio, Marcelo Odebrecht e executivos o ex-presidente Lula emerge como o “chefe” do esquema de corrupção que funcionou em seus governos e na gestão de Dilma, agora é Michel Temer, o próprio presidente da República, que surge como protagonista. Assim como no caso da Odebrecht, a delação de um dos donos do JBS é multipartidária. E, neste aspecto, é tão ou mais impactante. Além de resvalar no petista Guido Mantega — já personagem importante em delações da empreiteira —, relatos de Joesley, também sustentados em pelo menos uma gravação e ilustrados por fotos feitas pela PF, começaram logo na noite de quarta a destruir a carreira política do tucano Aécio Neves, destinatário de R$ 2 milhões pedidos pelo senador mineiro ao empresário, alegadamente para pagar advogado na defesa contra denúncias que já existem na Lava-Jato contra ele. Aécio nega e vincula os milhões a um negócio imobiliário.
Negociado com frieza junto ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o relator da Lava-Jato no Supremo, Edson Fachin, o testemunho de Joesley foi planejado para que a Polícia Federal, com o uso de tecnologia, rastreasse o dinheiro entregue em malas com chips, e ainda por cima levando cédulas com numerações sequenciadas. Além dos encontros serem fotografados/filmados, o monitoramento das rotas do dinheiro permitiu saber, por exemplo, que o dinheiro entregue a Aécio tomou outro rumo: em vez de alguma conta de advogado, destinou-se a Mendherson Souza Lima, secretário do senador Zeze Perella (PMDBMG), ligado a Aécio. Ontem, Aécio pediu licença ao Senado, do qual foi afastado pelo ministro Fachin. Enquanto isso, sua irmã, Andrea Neves, cúmplice do senador nos acertos com Joesley, começava a tentar se ambientar ao Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, em Belo Horizonte. Outro parente preso foi Frederico Pacheco de Medeiros, o primo escalado por Aécio para receber o dinheiro.
As instituições republicanas brasileiras, reedificadas pela Constituição de 1988, vêm sendo testadas de maneira dura desde 1992, quando foi pedido o impeachment do primeiro presidente eleito pelo voto direto, depois dos 21 anos de ditadura militar. Pouco antes de o impedimento ser formalmente aprovado pelo Congresso, Collor renunciou. Assumiu o vice, Itamar Franco, como estabelece a Carta. A vida seguiu, o Plano Real estabilizou a economia, ainda com Itamar, e, sob o governo tucano de Fernando Henrique — o ministro da Fazenda que chancelou o Plano —, houve grandes avanços institucionais.
Ficou provado, na prática, que se devem mesmo evitar atalhos casuísticos para driblar a Constituição, em busca de fórmulas salvacionistas. Veio a eleição pelo povo de um líder de esquerda, o ex-metalúrgico Lula, e, logo no seu primeiro mandato, eclodiu o escândalo do mensalão, a ponta do fio que levaria ao petrolão e ao grande esquema lulopetista de drenagem de dinheiro público para um projeto de poder de tinturas bolivarianas e o enriquecimento pessoal de comissários e líderes petistas. Além da compra, literalmente falando, de uma base parlamentar.
No mensalão aplicaram-se os dispositivos constitucionais e leis correlatas, como deve ser. Pela primeira vez a Justiça, via Supremo, punia políticos poderosos, em mais um reforço na consolidação das instituições. Foi na esteira desse processo benéfico de características históricas que, em março de 2014, seria criada em Curitiba a forçatarefa da Lava-Jato, de cujo bojo emergem relatos sobre este grande ciclo de corrupção em que o país entrou depois da redemocratização, assentado na aliança da Nova República, hoje em farrapos. Precisará ser costurada outra, mas não por meio de fórmulas pretensamente mágicas, insista-se. Enquanto a Lava-Jato avançava em ano eleitoral, a candidata petista à reeleição, Dilma Rousseff, era abastecida por dezenas de milhões em dinheiro sujo da Odebrecht. Serviram para pagar ao casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura, hábeis em construir a sustentação publicitária do estelionato eleitoral praticado por Dilma.
Ao continuar no poder, Dilma foi soterrada pelo castelo fantasioso que construíra com fraudes fiscais, razão pela qual sofreria impeachment em 2016, assumindo Temer, o vice. Foi mais um teste rigoroso vencido pelas instituições, sustentadas pela mesma Constituição.
Há, portanto, incontáveis motivos para se confiar em que o mesmo terá de acontecer desta vez. Como está em nota divulgada ontem pelo ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal, é preciso, “mais do que nunca”, obedecer à Constituição e às leis. A própria História dos últimos 25 anos dá razão ao ministro. Haja o que houver, não há outra alternativa. Emendas para antecipar eleições e similares só fazem ampliar o grau de incertezas, já bastante elevado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário