Quem mora em São Paulo ou outra grande cidade já deve ter notado que, depois de meses sumidos, estão voltando aqueles rapazes e moças que entregam folhetos de lançamentos imobiliários aos motoristas parados nos semáforos. Esse é mais um dos tênues sinais de que alguma coisa pode estar mudando no mercado imobiliário, que enfrenta recuo de vendas, queda de preços, redução de emprego e estoques crescentes, há alguns anos - problemas que levaram importantes empresas do setor ao nocaute.
Desde que a economia começou a andar para trás, há três anos, a construção civil vem dando sinais de fraqueza acentuada, de um lado, pela queda das vendas de imóveis, afetadas pelo aumento do desemprego, redução salarial e retração do crédito. De outro, pelos problemas no setor pesado, provocados pela desaceleração dos investimentos públicos e pela Operação Lava-Jato. Em 2015, a construção civil despencou 6,5%, enquanto o PIB recuou 3,8%; em 2016, a queda foi de 5,2% para 3,6% da economia como um todo.
O 89º Encontro Nacional da Indústria da Construção (Enic) apresentou alguns números que falam por si. Os lançamentos das 20 maiores incorporadoras somaram 69,8 mil unidades em 2016, 7% a menos do que os 75 mil de 2014. O estoque de imóveis encalhados chega a 95 mil unidades, o equivalente a 17 meses de venda. Um dos segmentos que mais emprega mão de obra, inclusive de baixa qualificação, a construção civil perdeu 1 milhão de postos de trabalho, encolhendo de 3,2 milhões em abril de 2014 para 2,2 milhões no mesmo mês deste ano.
Dos imóveis vendidos no ano passado, 42,8% foram objeto de distrato, isto é, 44,2 mil foram devolvidos, somando valor total pouco superior a R$ 1 bilhão, geralmente por compradores que não conseguiram o financiamento pretendido ou perderam o emprego. As incorporadoras queixam-se que entram no bolo também investidores, que concluíram que fizeram uma aposta ruim e conseguem na Justiça receber o dinheiro gasto de volta, à vista e com correção.
A perspectiva começou a mudar neste ano, quando se espera o aumento de 0,5% do PIB da construção civil, a reboque da expectativa de retomada da economia.
Os primeiros números disponíveis, porém, não permitem muita animação, e a nova onda de turbulência política é mais um motivo de preocupação. No primeiro trimestre deste ano, enquanto a atividade econômica mostrou a primeira recuperação em oito trimestres, com aumento de 1% do PIB, a construção civil desabou mais 6,3%. Outros dados negativos são a queda de 10,1% das vendas de cimento, e o tombo de 14,4% nas unidades financiadas com recursos da caderneta de poupança, de janeiro a abril. Reflexo de tudo isso é a continuidade do derretimento dos preços dos imóveis, que registraram em maio o maior recuo da série histórica do índice FipeZap.
No entanto, o declínio dos juros e a previsão de aumento da oferta de crédito alimentam as expectativas positivas também no setor financeiro. O saldo da carteira lastreada em recursos dos depósitos de poupança e do FGTS montava a R$ 545,1 bilhões, em abril, com crescimento de 0,5% em relação a março e de 7% em 12 meses. Já as concessões somaram R$ 6,303 bilhões no mês, com recuo de 8,7% em relação a março.
O setor financeiro também viu motivo para se animar com a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) de acabar com a exigibilidade adicional de 5,5% do compulsório da caderneta de poupança. A medida deve liberar R$ 13 bilhões em recursos e estima-se que cerca de R$ 6 bilhões serão direcionados ao crédito imobiliário. Há forte expectativa também com as Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs), novo título de captação bancária, que está em fase de regulamentação e tem potencial de alavancar em R$ 357 bilhões o crédito imobiliário, estima a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
As instituições financeiras já registram uma demanda mais significativa por crédito e contam com uma recuperação mais firme no segundo semestre (Valor 31/5), estimulada pela redução das taxas. Projeção da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) sinaliza aumento de 6% nos empréstimos imobiliários neste ano, apesar da deterioração do cenário político e das incertezas do impacto na economia.
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