Com produção de 237.060 veículos em maio, 33,8% maior que a de um ano antes, a indústria automobilística segue em recuperação, mas há uma névoa de incerteza sobre a economia, adverte o Banco Central (BC). A boa notícia sobre as montadoras e o relato oficial da reunião do Comitê de Política Monetária do BC (Copom) saíram com diferença de poucas horas, na manhã de ontem. Para o início da noite estava previsto o recomeço, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do julgamento da chapa Dilma-Temer, acusada de abuso e irregularidades na campanha de 2014. Além desse processo, o presidente enfrenta as acusações baseadas em delação do empresário Joesley Batista, envolvido em numerosos casos de corrupção. Não há referência explícita à turbulência política na ata, mas a incerteza mencionada no documento é obviamente associada ao assédio contra o Palácio do Planalto. Isso já havia ficado claro no texto distribuído pouco depois da sessão do Copom, na semana passada.
Mais que uma curiosa coincidência, a publicação quase simultânea dos dois informes – sobre a política de juros e sobre a atividade das montadoras – é um alerta para todos os brasileiros, mas especialmente para aqueles com poder para interferir nas grandes questões da vida nacional. A reativação da indústria automobilística é uma das novidades mais animadoras, depois de mais de dois anos da pior recessão registrada na história brasileira.
A fabricação de veículos continua longe dos volumes alcançados nas fases de maior prosperidade. O emprego continua bem abaixo dos níveis observados antes da crise. Mas a reanimação do setor, puxada tanto pelas vendas no mercado interno como pela exportação, é um dos sinais mais fortes e mais promissores de recuperação da economia nacional. Além disso, as contratações de pessoal têm aumentado tanto nas montadoras e nas empresas de seu entorno como em outros segmentos industriais.
A desocupação permanece muito alta, com cerca de 14 milhões de pessoas em busca de uma oportunidade, mas seria um enorme equívoco menosprezar os sinais positivos observados na atividade industrial. Essa ainda é a fonte mais importante de empregos classificáveis como decentes, pelos salários, pela segurança contratual, pelos benefícios complementares e, é claro, pela produtividade. A contratação de pessoal na indústria é um efeito da melhora das perspectivas setoriais e um fator de expansão econômica.
As estatísticas do emprego foram engordadas durante anos, no Brasil, com a absorção de trabalhadores de baixa ou nenhuma qualificação em atividades pouco produtivas. A ocupação cresceu, nesse período, em ritmo desproporcional ao do aumento do Produto Interno Bruto (PIB). Concebida apenas como instrumento eleitoral, a política de rendas propiciou, enquanto foi possível, a expansão do consumo e de ocupações, no comércio e nos serviços, com baixo potencial econômico.
Essa política foi paralela, naturalmente, a uma estratégia educacional voltada mais para a distribuição de diplomas do que para o desenvolvimento de capacidades. A crise desmontou essa fantasia.
Uma recuperação econômica puxada pelos segmentos mais eficientes da agropecuária e da indústria deve produzir, se for duradoura, muito mais que uma intensificação da atividade. Será uma oportunidade para repor o País nos trilhos da modernização e, portanto, da produtividade, da competitividade e da multiplicação de bons empregos. Mas para isso será preciso restabelecer, em prazo razoável, os fundamentos da economia.
Isso inclui um amplo trabalho de reparo e de renovação das finanças públicas e a criação de condições de estabilidade dos preços. A pauta de reformas, como a da Previdência, é componente essencial dessa transformação. Se as pessoas com maior responsabilidade em Brasília forem capazes de impulsionar esse conjunto de ações, o País sairá de uma vez do atoleiro e poderá ocupar, no mundo, um posto digno de uma democracia moderna e economicamente poderosa. Isso exigirá alguma visão e alguma grandeza política.
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