Por Maíra Magro, Marcelo Ribeiro, Daniel Rittner e Raymundo Costa | Valor Econômico
BRASÍLIA - O início do julgamento da ação que pode resultar na cassação do presidente Michel Temer foi marcado ontem por embate entre o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, e o relator da ação, Herman Benjamin. Gilmar o interrompeu logo no início da leitura do relatório, defendeu cautela à Corte ao analisar o caso e disse que é preciso levar em conta o "grau de instabilidade". Com isso, buscou delimitar o alcance do julgamento: "Temos que ser moderados na cassação. Até porque essa é uma intervenção indevida no processo democrático eleitoral". Indicou, assim, que seu voto será favorável a Temer.
Gilmar disse que tem havido mais cassações agora do que na ditadura e Herman rebateu dizendo que a ditadura cassava quem defendia a democracia, enquanto o TSE cassa aqueles que vão contra a democracia. "É uma enorme diferença". A expectativa é que o voto do relator seja duro ao pedir a cassação da chapa que venceu a eleição de 2014.
Ontem, ele discutiu questões preliminares apresentadas pela defesa. Leu um resumo de seu relatório, em que citou todas as provas incluídas no processo, entre elas, os depoimentos do empresário Marcelo Odebrecht e dos publicitários João Santana e Mônica Moura, relatando contribuições ilegais à chapa Dilma-Temer na campanha de 2014, e que foram anexados posteriormente ao processo. O relator e os advogados do PSDB - autor da ação - defenderam a validade das provas emprestadas da Operação Lava-Jato, enquanto os advogados de Temer e da ex-presidente Dilma Rousseff sustentaram que deveriam ser descartadas.
No caso de condenação, Temer ainda poderá recorrer da decisão. A batalha vai acontecer mesmo é no plenário da Câmara, onde será votada a autorização para ele ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal. A Procurador-Geral da República deve apresentar denúncia contra o presidente em cerca de 15 dias. Temer precisa de apenas 171 votos (um terço dos deputados) para evitar a abertura do processo que o afastaria do cargo. A sessão no TSE foi suspensa às 22h10 e será retomada hoje.
Gilmar pede a palavra e indica voto favorável ao governo
Em uma intervenção durante o voto do ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Herman Benjamin, relator da ação que pode resultar na cassação do presidente Michel Temer, o presidente da Corte, Gilmar Mendes, pediu a palavra ontem e roubou a cena indicando um voto favorável ao governo. "Aqui nós temos realmente uma situação singular, que não deve se tornar comezinha, que é a impugnação de uma chapa presidencial, num grau de instabilidade que precisa ser devidamente considerado", declarou Gilmar, pedindo cautela da Corte.
O presidente do TSE mencionou que, no exterior, o ex-ministro Henrique Neves ouviu que a corte eleitoral brasileira estaria "cassando mais que a ditadura" - e ressaltou que esse quadro vem exatamente de uma "Justiça que se pretende democrática". Herman Benjamin retrucou: "Ditaduras cassavam e cassam quem defende a democracia. O TSE cassa aqueles que vão contra a democracia. É uma enorme diferença."
A partir daí, os dois ministros travaram um embate. Gilmar voltou a pedir cautela dos colegas: "De qualquer forma nós temos que ser moderados no propósito de cassação". Benjamin então fez um adendo: "Sem dúvida alguma, mas não é apenas o dado quantitativo. É o dado qualitativo também, as formas e o mecanismos."
Gilmar voltou a insistir: "Até porque essa é uma intervenção indevida no processo democrático-eleitoral, temos que ser realmente cuidadosos nisso." O relator retrucou: "Temos que ser cuidadosos com tudo o que diz respeito à soberania do voto popular". Gilmar então concordou declarando: "Isto." E Benjamin acrescentou: "Tanto para resguardá-lo no sentido de assegurar sua validade, como para impugná-lo quando eivado ou motivado por infrações que eventualmente sejam praticadas."
Gilmar fez uma retrospectiva da apresentação do processo em que o PSDB pede a cassação da chapa da ex-presidente Dilma Rousseff e de Temer. A ação foi apresentada em dezembro de 2014 e, inicialmente, foi arquivada pela então corregedora eleitoral Maria Thereza de Assis Moura.
O PSDB recorreu e o próprio Gilmar defendeu a reabertura do caso. O ministro afirmou, ontem, que seu objetivo ao votar pela reabertura da ação não seria a cassação do mandato, mas sim a revelação de como se faz uma campanha presidencial. "Desde o meu primeiro voto, a minha primeira manifestação, enfatizava que mais importante que o resultado desse julgamento era o seu procedimento, era a abertura desse julgamento e a possibilidade de fazer essa análise, que era conhecermos o que ocorria numa campanha presidencial", declarou Gilmar.
Ao pedir a palavra em meio ao voto do relator, o presidente do TSE acabou alterando o termômetro do primeiro dia do julgamento, que até então transcorria em ritmo apressado, com leitura resumida do relatório e de algumas preliminares, devido estar o relator gripado e com febre. No começo de seu voto, Herman Benjamin defendeu a reforma política e apontou que a decisão do TSE será importante não apenas como decisão pontual do caso, mas para "indicar rumos para o país". O relator também rejeitou insinuações de que os ministros tomariam uma decisão sobretudo política. "Nós, juízes do TSE, julgamos fatos como fatos, e não como expediente político de conveniência oscilante", afirmou o ministro.
O relator não chegou ontem a abordar questões de mérito, limitando-se a discutir quatro questões preliminares apresentadas pela defesa. Todas elas foram rejeitadas pela Corte. As preliminares discutiam se esse tipo de processo pode ou não ser usado para cassar o mandato do presidente da República, se algumas das ações - são quatro no total sobre o mesmo tema - poderiam ser extintas e só uma delas prosseguir, a suposta perda de objeto em relação a Dilma, já cassada, e a ordem de depoimento das testemunhas.
Ficou para esta manhã, porém, a discussão sobre a possibilidade ou não de o TSE levar em conta, no julgamento, as delações da Operação Lava-Jato, inseridas na causa após o pedido inicial. O começo da sessão de ontem foi marcado justamente por esse debate.
Primeiro, Herman Benjamin leu um breve resumo de 24 páginas de seu relatório. Depois os advogados do PSDB, autor da ação, defenderam que o TSE leve em conta depoimentos como os do empresário Marcelo Odebrecht, do publicitário João Santana e de sua mulher, Mônica Moura. Já advogados da ex-presidente Dilma Rousseff e de Temer sustentaram que os depoimentos devem ser descartados.
A brevidade do resumo de Herman Benjamin surpreendeu, já que o relatório tem mais de mil páginas. O ministro apresentou as alegações de cada parte, citou os nomes das 49 testemunhas ouvidas na ação e mencionou as provas obtidas pela quebra dos sigilos fiscal e bancário de pessoas físicas e jurídicas. A expectativa inicial era de que a sessão, que começou pouco depois das 19h, fosse praticamente toda destinada à leitura do relatório. Rapidamente, porém, os advogados tiveram direito a fala, com 15 minutos para cada um, seguidos do vice-procurador-geral eleitoral, Nicolao Dino. Depois, veio o voto do relator e o embate com Gilmar.
O PSDB foi o primeiro a ter a palavra. "É possível, sim, ao juiz tomar conhecimento de fatos que não foram descritos de forma pormenorizada na inicial", sustentou o advogado José Eduardo Alckmin, que representa os tucanos. Ele ressaltou que o processo em discussão é uma ação de investigação eleitoral, portanto sujeita à inclusão de fatos novos.
Ele também citou precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo o qual seria possível levar em consideração no julgamento fatos posteriores ao pedido inicial.
Os advogados do PSDB também acusaram a campanha de Dilma de se valer de abuso de poder político ao veicular supostas mentiras. Segundo a acusação, a campanha teria apresentado dados falsos sobre a redução da pobreza. A campanha foi acusada ainda de abuso de poder econômico na arrecadação de recursos e nas despesas.
Já a defesa de Dilma negou qualquer tipo de abuso e defendeu que os depoimentos dos delatores sejam totalmente descartados do processo. "A regra é que o juiz não pode proferir uma decisão fora do pedido. Não há dúvidas de que esta é a linha do STF", afirmou o advogado da petista, Flávio Caetano.
A mesma tese foi sustentada pela defesa de Temer. Segundo o advogado Marcus Vinicius Furtado Coelho, a acusação tem que ser "específica e concreta", e o juiz não pode proferir decisão fora da petição original. "Fatos surgidos durante o processo só podem confirmar ou não as acusações originais", afirmou Coelho, ressaltando que seria esse o teor do julgamento do STF que tratou do assunto. "O que dá ensejo à petição inicial foi o recebimento de doações oficiais de empreiteiras contratadas pela Petrobras por meio de pagamento de propina", disse Coelho, frisando que o próprio Ministério Público reconheceu que isso não ficou provado no processo.
Mesmo se os depoimentos de Marcelo Odebrecht e dos publicitários João Santana e Mônica Moura forem considerados válidos, Coelho argumentou que faltam provas para cassar a chapa. Ele ressaltou que delações premiadas não podem ser usadas como únicas provas para uma condenação.
Também advogado de Temer, Gustavo Guedes defendeu que seja afastada a teoria de indivisibilidade da chapa Dilma-Temer. De acordo com ele, não houve nenhuma doação ilegal à campanha de 2014 que possa determinar a cassação de Temer. Após as falas dos advogados, o vice-procurador-geral eleitoral, Nicolao Dino, pediu a cassação da chapa Dilma-Temer como um todo, apontando "claro abuso de poder econômico" na campanha.
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