- Valor Econômico
Só a torção dos fatos sustenta a crença na inocência de Temer
Temer sobrevive. O presidente ainda conta com um grupo tão aguerrido quanto limitado de defensores. O presidente está para lá de enrascado. Só a torção dos fatos politicamente induzida sustenta a crença na sua inocência.
Juristas de escol, consultados pela imprensa, seguem a linha proposta pelo presidente. A acusação se basearia em ilações. Há os que se aferram à gravação realizada na garagem do Jaburu, questionando sua legalidade e etc.
A defesa se sustentaria se a gravação fosse o elemento central da acusação. Não é. Temer não está sendo acusado pela compra do silêncio de Eduardo Cunha. Não ainda. Temer está sendo acusado por ter recebido propina da JBS, porque resolveu uma pendência da empresa com a Petrobras.
A conversa na garagem, portanto, é apenas o ponto de partida da história. Ali se deu a "designação oficial" de Rodrigo Rocha Loures como o legítimo representante do presidente para conversas e tratativas futuras com a J&F.
À defesa do presidente só resta alegar que Loures estaria agindo em nome próprio. Carlos Velloso, ex-ministro do Supremo e quase-ministro da Justiça de Michel Temer, saiu em defesa do presidente: "Janot afirma que o presidente recebeu dinheiro, mas ou o dinheiro não chegou a ele ou não se tem provas disso. A denúncia se baseia mesmo em uma ilação. Não há um conjunto forte de provas."
Velloso, portanto, não questiona que Rocha Loures obteve a decisão solicitada por Joesley. A solicitação esta que não foi feita a Temer no Jaburu, mas sim a Loures dias depois de sua "designação oficial". Velloso, tampouco, questiona que Loures recebeu a mala com dinheiro na pizzaria. Todos viram vezes sem conta a iniciação do parlamentar no perigoso esporte da corrida com propina. O dinheiro estava marcado e foi devolvido pelo parlamentar.
Velloso não nega o quid pro quo. Alega, contudo, a ausência de provas cabais de que o presidente seria o beneficiário final dos pagamentos. Ou seja, para que a defesa cole, seria necessário que Loures estivesse operando por conta própria.
Somente quem não leu a íntegra da denúncia pode acreditar que a acusação é sustentada por ilações. Não faltam evidências de que Loures agia com respaldo presidencial. Seus passos foram acompanhados por quase um mês. Manteve seguidas conversas com Joesley e seu lugar-tenente, Ricardo Saud, todas gravadas e transcritas. Ao telefonar para o presidente em exercício do Cade, Loures afirma ter recebido uma "nova missão", acrescentando: "soldado só tem uma alternativa, tem que cumprir, é, tem que atender".
O "soldado" Loures, ao dar início à sua missão, ouve de Joesley o acordo firmado com o presidente: "O Temer mandou eu falar, eu vou falar com [vo]cê, nós vamos abrir nesse negócio aí em 5%." Ou seja, que a tabela seguiria o padrão PMDB para pagamento de propinas: 5% em lugar dos tradicionais 3%.
Rocha Loures, ao tratar da operacionalização dos pagamentos, explica os problemas enfrentados: "os canais tradicionais estão todos obstruídos". Em outra oportunidade, Loures nomeia os 'canais tradicionais': "este é o problema, o coronel não pode mais. O Yunes não pode mais."
Rocha Loures e Ricardo Saud discutem abertamente as alternativas, métodos de pagamento e locais para entrega da "semanada". Loures aventa alguns canais desobstruídos, como Edgar Rafael Safdie, o enigmático Edgar do questionário que o presidente se recusou a responder.
Ao final, Loures define o método, pagamentos em espécie, e o operador, Ricardo Conrado Mesquita que, pelo que indicam os autos, não prima pela pontualidade e rapidez no seu deslocamento pela cidade. Seu atraso forçou Loures a peregrinar por restaurantes paulistanos e receber a mala com o dinheiro.
Na semana seguinte, Loures volta a providenciar encontro extra-agenda entre o presidente e Joesley, desta feita em Nova York, no escritório da J&F. A troca de mensagens consta da denúncia. Loures chega a passar o nome e o telefone do ajudante de ordens que acompanharia Temer na oportunidade.
Difícil crer, diante destas evidências, que Loures tenha agido sem o conhecimento e o aval do presidente, que seria o beneficiário exclusivo da operação.
Esta a tese que Carlos Velloso quer que acreditemos. Com toda a vênia que lhe é devida, creio ser claro que falou o quase-ministro da Justiça e não o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal. Falou o amigo, não o magistrado.
Obviamente, a peça de Janot não garante a condenação do presidente. Para isto servem bons advogados e amigos estrategicamente posicionados. Há sempre duas saídas: os vícios formais e as provas insuficientes que permitam recorrer à presunção de inocência.
Esta lógica pode funcionar nos tribunais. Absolve, mas não prova a inocência. O debate jurídico, em que pese o esforço de vários jurisconsultos e suas citações em latim e alemão, é pura cortina de fumaça. O que se pretende é que a lei aplicada aos inimigos não seja aplicada aos amigos. Eleitores, contudo, não precisam de provas cabais para fazer julgamentos, para condenar ou absolver.
Para defender Temer é preciso acreditar que seu governo tem mais a oferecer do que as alternativas disponíveis. Alguém ainda acredita que Temer será capaz de passar as reformas prometidas? Tudo que o governo tem a oferecer é a luta pela sobrevivência. Restam, os mais próximos, os dispostos a tudo ler com as lentes distorcidas da amizade e das cores partidárias. Nestas horas, o presidente sabe por experiência própria, os amigos rareiam. Renan Calheiros já abandonou o barco, sinal evidente de que o naufrágio está próximo.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.
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