Por Ricardo Mendonça | Valor Econômico
SÃO PAULO - Levantamento feito pelo Valor junto aos dez tribunais mais importantes do país mostra que só dois seguem à risca uma norma criada há um ano para dar transparência mínima às palestras ministradas por juízes: o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região (SP e MS). As demais cortes não disponibilizam informações em seus sites, como determina a Resolução 226 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ou apresentam dados incompletos.
As regras foram criadas pelo CNJ em junho de 2016. O órgão de fiscalização determinou que magistrado pode fazer palestra de qualquer natureza, mas deve informar data e local do evento, tema da apresentação e nome da entidade ou empresa promotora. A resolução não estabeleceu limite para remuneração e sequer passou a exigir que valores eventualmente pagos sejam divulgados.
Cinco dos tribunais pesquisados não adaptaram seus portais para cumprir a resolução. Nesse grupo estão a mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal (STF), e outros dois tribunais superiores, o eleitoral (TSE) e o militar (STM). Estão também nessa situação os TRFs da 1ª Região (DF e 15 Estados) e da 5ª Região (PE e outros cinco Estados).
O STF é o único tribunal que não cogita criar espaço específico em seu site para dar transparência às palestras de seus membros. A corte divulga a agenda dos ministros, e alguns eventualmente citam participação em palestras nesse espaço. Mas em desacordo com a regra do CNJ. No dia 19 de julho, por exemplo, Gilmar Mendes falou numa cerimônia do Lide, empresa da família do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Sua agenda citava "Evento - Lide - Pernambuco Recife". Não deixava claro que era uma palestra, não mencionava o local exato nem o tema da apresentação, como preconiza a resolução.
Para o padrão STF, porém, Gilmar pode ser considerado um caso positivo. No mesmo mês, o ministro Luiz Fux palestrou em pelo menos dois eventos corporativos em São Paulo, mas não fez qualquer menção a eles na agenda. O primeiro, em 12 de junho, foi uma palestra para "investidores, CEOs e conselheiros das maiores empresas do país", conforme o convite de uma consultoria política que atua em Brasília. O segundo, onze dias depois, foi uma palestra de investidores do mercado financeiro organizada por uma corretora.
Outro problema do STF é que os registros no link "Agenda dos ministros" são temporários. Apenas compromissos recentes são mostrados. Na sexta-feira passada, por exemplo, só apareciam dados computados a partir de 31 de maio. Cada vez que uma nova data é inserida, a mais antiga é apagada.
Por meio de sua assessoria, o STF afirmou que a responsabilidade pelas informações inseridas nas agendas é de cada gabinete. Disse ainda que, como tribunal mais importante do país, seus ministros não são obrigados a obedecer as resoluções do CNJ. Não há norma, porém, que os impeçam de manter o mesmo grau de transparência que se exige do resto do Judiciário. O ministro Luiz Fux não respondeu.
O TSE também não oferece espaço para divulgação de palestras de seus membros. A assessoria de imprensa da corte eleitoral informou que seu presidente, Gilmar Mendes, "está conversando" com a presidente do STF, Cármen Lúcia, para encontrar a melhor forma de implementar a regra.
Já o STM respondeu que "tendo em vista a demora da criação do sistema de TI [Tecnologia da Informação], o presidente da Corte determinou que os dados fossem compilados manualmente e publicados com a máxima brevidade". Explicações parecidas deram o TRF-1 ("A disponibilização dos dados estão em fase de processamento pela área de TI") e o TRF-5 ("Com a reformulação do portal, as informações estão sendo organizadas para serem disponibilizadas o mais breve possível").
A discussão sobre palestras de juízes chegou ao CNJ a partir de uma reportagem de 2015 mostrando que quatro ministros do TST receberam dinheiro de um banco privado para palestrar, mas não se declaravam impedidos em processos que tinham o mesmo banco como parte. Um dos ministros chegou a receber R$ 161,8 mil por 12 palestras.
O tema já havia gerado constrangimento no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando foi revelado que o governo de Minas Gerais iria pagar R$ 40 mil a Luiz Fux e ao ministro Luís Felipe Salomão, do STJ, que falaram sobre o novo Código de Processo Civil no Estado. Após a revelação, ambos afirmaram que devolveriam a remuneração.
Ao regulamentar a atividade em junho de 2016, porém, o CNJ preferiu não mexer na questão monetária. Na proposta original de resolução, um dispositivo dizia que remunerações deveriam ser sempre informadas e colocadas na internet. Mas a exigência foi retirada a pedido do então presidente do órgão, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF.
Na ocasião, Lewandowski sustentou que o recebimento de dinheiro por palestra dizia respeito "à intimidade, à privacidade e diria até ao sigilo fiscal" do magistrado. Embora o salário e os valores de diferentes auxílios a juízes sejam públicos, o ministro recorreu até à questão da segurança na defesa pela manutenção do sigilo. Argumentou que a publicidade não seria conveniente "num país em crise, num país onde, infelizmente, a nossa segurança pública ainda não atingiu os níveis desejados". Foi seguido por todos os conselheiros.
Exemplo de cumprimento atrasado e incompleto da norma é o do TRF-4, que abrange juízes e desembargadores da região Sul do país. O tribunal passou a disponibilizar espaço em seu site para a relação de palestras exatamente no mesmo dia que o Valor o questionou sobre o descumprimento da resolução do CNJ. O banco de dados disponível, porém, começa apenas no dia 13 de junho deste ano.
Sob a jurisdição do TRF-4 está aquele que talvez seja o mais famoso magistrado-palestrante do Brasil, o juiz federal Sergio Moro, da 13ª vara de Curitiba. Moro foi protagonista de uma série de eventos noticiados no Brasil e no exterior. A relação de suas apresentações deveria ser pública e estar disponível no site do TRF-4. Mas não está.
Inicialmente, Moro afirmou que todas as suas "ausências para palestras" foram comunicadas ao tribunal. A lista de "ausências" fornecida pelo TRF-4 à reportagem, porém, não informa local exato do evento, tema ou entidade/empresa promotora da palestra. Não menciona também eventuais palestras de Moro que não implicaram necessariamente em sua ausência da vara, como, por exemplo, apresentações em Curitiba fora do horário de expediente.
Igualmente incompleta é a lista do TRF da 2ª Região (Rio de Janeiro e ES), que mostra informações dos juízes de primeiro grau, mas não apresenta nada sobre os desembargadores.
Outro caso peculiar é o do STJ, a segunda corte mais importante do país, composta por 33 ministros. O site do autointitulado "tribunal da cidadania" possui um espaço específico para divulgação das palestras de seus membros. Mas até hoje só três deles fizeram registros: Antonio Carlos Ferreira, Ribeiro Dantas e Sebastião Reis Júnior. Em buscas rápidas na internet, é possível encontrar notícias de palestras recentes de outros ministros que não estão registradas no canal oficial. A reportagem encontrou cinco.
A mesma resolução do CNJ que obriga magistrados a darem publicidade às palestras estabelece que o próprio CNJ e a Corregedoria Nacional de Justiça "promoverão o acompanhamento e a avaliação periódica" das informações prestadas pelos juízes.
Até hoje isso não foi feito. Não há qualquer balanço, avaliação ou relatório produzido sobre o tema. A reportagem solicitou entrevista ao corregedor do órgão, ministro João Otávio Noronha. Não houve resposta.
Noronha, aliás, é um dos ministros do STJ com palestra recente noticiada, mas sem registro do evento no site do tribunal. Em março, conforme notícia veiculada pelo portal da Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte, ele falou em Natal para juízes recém-formados no III Curso de Formação Inicial. Quem busca a informação no site do STJ, nada encontra.
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