- Folha de S. Paulo
A esta altura da nossa modernização desigual e incompleta, seria uma surpresa encontrar resultado diverso do apurado pelo Datafolha desde o início desta década sobre os valores da população.
Como a farta maioria dos brasileiros se distancia do padrão de renda e instrução dos 10% mais bem posicionados, é de esperar que demande mais proteção e intervenção estatal, de um lado, e adira menos ao progressismo nos costumes, do outro.
Pelo seu peso na população, esses cidadãos no máximo remediados são preponderantes na definição do perfil ideológico do brasileiro: conservador no comportamento e antiliberal na visão da economia.
A pesquisa publicada hoje repõe o resultado agregado esperado, embora mostre variações pontuais interessantes, umas ligadas à crise, outras a movimentos de longa maturação.
Nas questões específicas que compõem o índice do Datafolha, vale notar as que produzem leitura inesperada, contrárias à hipótese geral, ao longo dos estratos de renda e escolaridade. Elas fornecem pistas de um modo peculiar de enxergar o mundo.
O direito de possuir armas é um enigma aparente. Quanto mais pobre a pessoa, menos ela o defende e mais escolhe a resposta contrária, de que a posse deveria ser proibida.
Outro resultado inesperado é a harmonia entre as classes no apoio à ideia de que é melhor pagar menos impostos e contratar serviços privados de educação e saúde. Mesmo os mais pobres, dependentes de escolas e hospitais estatais, aderem mais a essa proposta que à sua alternativa.
Só a franja extremista do mercadismo defende a privatização total de educação e saúde básicas. Já dispositivos mistos, que ampliam a escolha do usuário e combatem a inércia paralisante das corporações, disseminam-se com sucesso pelo mundo.
A população do Brasil, inclusive os vastos contingentes que em regra cobram proteção estatal, parece disposta a experimentações nesse setor.
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