- Valor Econômico
Fitch vê boas novas, mas Brasil segue na direção errada
O governo Michel Temer abusa da sorte e de uma condição favorável de mercado ao demorar tanto tempo para se posicionar sobre as contas públicas. Durante dias seguidos, a equipe econômica e o presidente da República não se intimidaram e ampliaram sua exposição ao defender o ajuste fiscal e detalhar as dificuldades que têm para entregar o déficit previsto de R$ 139 bilhões para este ano e de R$ 129 bilhões para o próximo. A equipe ou o presidente não apresentaram objetivamente uma solução para corrigir o "déficit" do déficit primário dos próximos dois anos, mas fizeram algumas incursões.
O mais perto disso a que o governo chegou foi indicar a conveniência de aumentar o Imposto de Renda com a criação de uma nova e mais elevada alíquota. A possibilidade foi firmemente negada, mas nem por isso o aumento de imposto deixou o cardápio de alternativas a serem consideradas para expandir as receitas.
A avalanche de explicações dadas para a frustrada tentativa de alcançar seu objetivo não tornou o governo mais forte. Estampou, sim, a necessidade de o próprio governo promover uma eficiente gestão de expectativas. Contar o tempo todo que a frágil atividade econômica neutralizará frustrações de metas e suas potenciais repercussões é comprar risco.
Taxa de câmbio mais pressionada e volátil, aumento de prêmio nas taxas de juros de prazos mais longos em relação aos prazos mais curtos e bolsa de valores com liquidez restrita e perspectiva de ganho contida caracterizaram os negócios na sexta-feira e não causarão estranhamento se reprisadas nesta segunda. É grande a expectativa com o fim do impasse político que justifica, ao menos em parte, a demora do governo brasileiro em reposicionar as metas fiscais para lá de deficitárias, mas, ainda assim, insuficientes para serem cumpridas.
O impasse político que amarra o governo no anúncio de medidas pode ser superado ainda nesta segunda-feira que não promete vencedores. O governo poderá anunciar metas fiscais com déficits maiores e outras decisões, inclusive a suspensão e o adiamento do reajuste salarial já aprovado para parte do funcionalismo público que deveria ser pago em 2018 e deve ficar para 2019. Não é simples tomar essa decisão e menos ainda anunciá-la. Driblar o compromisso de aumentar os salários dos servidores significará economia para o governo com efeito multiplicador de opositores.
Nada disso é exatamente novo para o governo brasileiro, que vem penando operacionalmente por mais do mesmo, embora por um novo motivo -- ampliar a arrecadação. Cortar ainda mais os gastos é uma das alternativas a serem usadas para conter o aumento da meta fiscal ou torná-lo mais leve em função da escassez de receitas. Outra alternativa é aumentar impostos para dar um gás na arrecadação tributária, como defende parte do governo.
Até o fechamento dos mercados na sexta, a preferência do governo para corrigir mais uma vez a rota das contas públicas estava inclinada para o aumento da meta fiscal. Defensores de mais impostos não desapareceram. E operadores do mercado financeiro teimavam em avaliar, sem sucesso, a possibilidade de tudo ficar como está. E perceberam que a solução para o reforço fiscal dependerá do interesses das autoridades no resultado das eleições majoritárias marcadas para outubro do ano que vem.
Cláudio Adilson Gonçalez, dono de uma sólida carreira no Tesouro e na Fazenda e hoje sócio da MCM Consultores, avalia que o Brasil terá no ano que vem uma das eleições presidenciais mais imprevisíveis dos últimos tempos. "Quando as pesquisas eleitorais começarem a influenciar mais diretamente as expectativas dos agentes econômicos, o que deve ocorrer a partir do segundo trimestre de 2018, dificilmente um candidato que empunhe a bandeira de continuidade das reformas estruturais, interrompidas após as denúncias dos irmãos Batista, aparecerá entre os mais bem cotados para vencer o pleito."
Não há saída fácil ante o risco de um aumento de imposto atrapalhar aqueles que estão de olho em 2018 ou quando uma elevação da meta fiscal pode arranhar a imagem do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que se colocou como patrono de reformas fiscais desde o seu primeiro dia no cargo.
Então por que os mercados continuam tão otimistas? pergunta Cláudio Adilson, que busca respostas e afirma: "Das duas, uma: ou os riscos se dissipam e os preços atuais dos ativos estão corretos, podendo melhorar ainda mais, o que não creio, ou se confirmam e teremos muita volatilidade no próximo ano. O certo é que como está, não fica", diz o economista que destaca: "Internamente, a economia frustrou a expectativa de retomada do crescimento e exibe sinais de estagnação."
Na semana passada, tornou-se evidente a preocupação do mercado financeiro com a opinião das agências internacionais de classificação de risco de crédito que revisam sua avaliação sobre o Brasil, neste mês de agosto. Em oportuna entrevista concedida aos jornalistas Álvaro Campos e Lucas Hirata, o diretor-gerente e chefe global do grupo de soberanos e supranacionais na Fitch, James McCormack, afirma que aumentos de impostos e outras medidas certamente mostram um compromisso com a consolidação fiscal, mas a rigidez das despesas é um empecilho. "De fato, o assunto mais importante em termos de determinar a situação no médio prazo é a deterioração na Previdência", diz. Para ele, o fluxo de notícias vindo do Brasil nas últimas semanas é positivo, mas em termos fiscais o Brasil "ainda está indo na direção errada", o que está refletido na perspectiva negativa da nota 'BB' do país.
Sobre o aumento da meta fiscal que o governo pode anunciar ainda hoje, McCormack diz que essa revisão não faz muita diferença para o rating. Ele lembra: "Essas metas são do governo, não nossas. Quando pensamos nas finanças públicas do Brasil, estamos comparando com outros países com mesmo nível de rating. Se o Brasil atinge ou não metas específicas nos diz mais sobre como a estrutura econômica está funcionando, se nós acreditamos que serão feitos ajustes, do que se o rating em si será afetado por isso. Estamos observando o que as autoridades vão fazer, se vão subir impostos, cortar gastos, para ter uma noção do que eles podem fazer para frente, com vistas a melhorar o perfil de dívida lá no futuro."
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