terça-feira, 8 de agosto de 2017

Neymar, Rawls e Nozick | Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

Fora os 222 milhões de euros que o Paris Saint-German gastou para comprar Neymar, o clube ainda vai pagar ao jogador 30 milhões de euros por temporada, o que dá 2,5 milhões de euros por mês. Em reais, isso dá 9,3 milhões. É justo?

Um dos mais estimulantes debates filosóficos das últimas décadas é o que opõe John Rawls a Robert Nozick na questão da justiça distributiva.

Não sei se Rawls era fã de futebol, mas ele provavelmente não aprovaria um salário dessa magnitude para o craque brasileiro. Sua tese é radical. O filósofo norte-americano põe em dúvida a própria noção de mérito. Para ele, talentos naturais, assim como a beleza ou a inteligência, constituem uma espécie de prêmio indevido, já que são o resultado de uma combinação da loteria genética com outras forças do acaso, e não de virtudes individuais.

Nesse contexto, nascer com aptidão para jogar bola e não estragá-la com noitadas e surtos de preguiça não é essencialmente "mais justo" do que os direitos de nascimento que a nobreza se autoatribuía. Para Rawls, desigualdades sociais e econômicas só se justificam à medida que sirvam para melhorar a situação de todos, incluindo necessariamente os mais desfavorecidos. Esse é o famoso princípio da diferença.

Nozick discordou, brandindo o princípio da justa titularidade. Para ele, cada um de nós tem autoridade soberana sobre si mesmo, seu corpo, habilidades e os frutos de seu trabalho, ainda que sejam inseparáveis da sorte. Segundo o filósofo, não devemos procurar a justiça nos resultados finais, mas em cada ação específica. Se as habilidades futebolísticas de Neymar não se originam numa fraude e se seu salário é fruto de transferências voluntárias de clubes e, em última análise, de torcedores, tentar privá-lo desses ganhos (e mesmo taxá-los) equivale a um roubo.

Nada sei das inclinações filosóficas de Neymar, mas desconfio que ele prefira Nozick a Rawls.

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