quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Avanço da ultradireita alemã é revés para integração europeia – Editorial | Valor Econômico

Desde a crise financeira de 2008, que sacudiu as camadas mais profundas das políticas nacionais dos países ricos, nenhum governante passou a ter vida fácil ou imune a surpresas. As eleições na Alemanha, terceira maior economia do mundo, que deram o quarto mandato a Angela Merkel, teriam tudo para sagrar mais o tédio de uma continuidade de 12 anos do que emoções inesperadas. Não foi bem o que aconteceu. As forças de extrema-direita, xenófobas e nacionalistas, fizeram ruidosa aparição no Bundestag pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O avanço da Alternativa para a Alemanha (AfB) não significa progresso inelutável do populismo europeu, derrotado na França e na Holanda, mas trouxe instabilidade política onde ela há muito não existia.

A coalizão que reinava tranquila, entre a dupla de direita moderada, a União Democrata Cristã (CDU) e a União Social Cristã (CSU) e os social-democratas (SPD), sofreu um forte impacto nas urnas. O partido de Merkel (CDU) e seu sócio tiveram a menor votação desde 1949, uma sorte um pouco melhor do que a do SPD, que simplesmente teve a pior votação de sua história. Nos melhores momentos, a união entre direita e esquerda no governo chegou a arrebatar 90% dos votos. Quando as urnas fecharam no domingo, somavam 53%.

A esquerda social-democrata, ao ser abraçada pela coalizão de centro, viu definhar o número de seus seguidores, algo perceptível nos pleitos passados e escancarado agora. Martin Schulz, líder do SPD, encarou a derrota com perorações a favor do confronto e disse que seu partido não mais fará parte da aliança governista, e sim da oposição. O CDU-CSU, por seu lado, viu grande parte dos eleitores que deixaram de sufragá-los se bandearem para a direita radical do AfD. Até certo ponto, esse era um movimento previsível, ainda que não nas proporções verificadas. Merkel recebeu imigrantes de braços abertos - 1 milhão deles no ano passado -, o que desagradou seus partidários mais conservadores.

A chanceler terá agora de refazer uma coalizão em um ambiente mais difícil que o previsto. As forças disponíveis para compor um bloco de governo com legendas cujas posições destoam das que foram executadas ao longo dos três últimos governos de Merkel. Os liberais do FDP, banidos pela cláusula de barreira na eleição passada, voltaram com 10,7% dos votos e 80 cadeiras em um parlamento de 709. O partido é pela saída da União Europeia e contra todo tipo de ajuda alemã a países em dificuldades. A esquerda obteve 9,2% (69 deputados) e os verdes tiveram um pequeno progresso, para 8,9%.

A direita-radical saiu do nada no parlamento para ser a terça maior força política do país, com 12,6% dos votos e 94 deputados. Além dos votos governistas que conquistaram, foram os mais votados na ex-Alemanha comunista, a cujo eleitorado forças antidemocráticas e autoritárias não foram estranhas nas últimas décadas. Nascido como partido eurocético, que divergia do auxílio concedido à Grécia durante a crise dos títulos soberanos e pedia sua expulsão da União Europeia, o AfD levantou bandeira mais vistosa ao se opor à imigração, depois da chegada em massa das vítimas do drama sírio. Tido como um partido de "acadêmicos" foi tomado de assalto por ultradireitistas e já sofreu cisão de sua ala moderada apenas um dia após as eleições.

O Brexit venceu no Reino Unido desautorizando tanto a oposição trabalhista quanto a ala governista dos conservadores e beneficiando os demagogos do Ukip. Populistas de direita como Marine Le Pen foram derrotados na França por um movimento de centro criado do zero, que derrotou os maiores partidos à direita e à esquerda. Na Alemanha, ao contrário, o centro, matizado por um leve tom social-democrata, foi desbordado por uma nova força de extrema-direita, composta também por simpatizantes declarados dos nazistas e por partido de eurocéticos.

Se confirmada, a paz alemã seria o cenário ideal para a reaproximação, pós-Brexit, dos países que formam o coração do euro, França e Alemanha. Merkel agora terá mais dificuldades para dar um eixo político ao governo. Os planos de maior integração da zona do euro, propagados por Macron, já não encontravam grande acolhida no establishment político germânico. Agora, compreensivelmente, serão adiados ou reduzidos à dimensão do politicamente possível.

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