A desigualdade extrema na sociedade brasileira dificulta sobremaneira o consenso em torno das políticas prioritárias de governo.
Na base da pirâmide, há dezenas de milhões que dependem do Estado para as necessidades mais básicas —o Bolsa Família, por exemplo, beneficia cerca de um quarto da população. No topo, minorias influentes conquistam privilégios e garantias nas leis nacionais.
Os estratos médios concentram suas demandas nos serviços públicos mais típicos, como ensino, saúde, segurança e infraestrutura, que o país provê, em geral, com notória deficiência de qualidade.
Entre interesses tão heterogêneos, nem sempre se distinguem com clareza os objetivos e os efeitos das ações governamentais. Num exemplo, as administrações petistas, que tanta importância conferiam à distribuição de renda, multiplicaram, a título de incentivos à indústria doméstica, os subsídios transferidos à elite empresarial.
A tentativa —ou imposição política— de atender a pleitos de todas as origens, aliás, está na origem do atual colapso orçamentário.
Na acidentada gestão de Michel Temer (PMDB), nota-se com clareza a ruptura com pautas caras à esquerda, incluindo temas comportamentais, ambientais e econômicos. Levantamento publicado por esta Folha no domingo (24) mostrou a ampla presença de reivindicações do empresariado e de setores conservadores na agenda oficial.
De novo, determinar a orientação resultante desse conjunto de iniciativas é tarefa complexa. Tome-se o caso do teto fixado para os gastos federais: na mesma edição do jornal, o irlandês Marc Morgan, estudioso da desigualdade, afirma que a medida pode ser prejudicial aos pobres, mais dependentes dos programas sociais.
Considere-se, por outro lado, que o rombo nas contas do governo —que o teto busca eliminar— gera enorme despesa com juros da dívida, em benefício dos mais ricos.
Há evidentes retrocessos sob Temer, em particular nas áreas ambiental, fundiária e indigenista, dada a preferência desequilibrada pelos pontos de vista dos grandes produtores rurais.
Entretanto imposições da realidade, mais até do que convicções, levam também a avanços. A eliminação gradual dos subsídios do BNDES e a proposta de reforma da Previdência Social, atacadas pela oposição à esquerda, concorrem para a redução de benesses concentradoras de renda.
Decerto resta muito a fazer, a começar por uma tributação mais justa. Combinar políticas distributivas e boa gestão da economia é meta que desafia o país desde a redemocratização, e não espanta que os progressos sejam insatisfatórios: há defensores do statu quo de todos os matizes ideológicos.
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