quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Palocci sobre Lula: ‘Até quando vamos fingir acreditar?’

Ex-ministro pede desfiliação do PT; defesa do ex-presidente apresenta recibos de aluguel com datas inexistentes

Fundador do PT e ex-homem forte dos governos Lula e Dilma, o ex-ministro Antonio Palocci pediu desligamento do partido e, em carta de quatro páginas, criticou duramente o ex-presidente Lula. “Até quando vamos fingir acreditar na auto-proclamação do ‘homem mais honesto do país’?”, perguntou o ex-ministro. “Somos um partido ou uma seita?”. Palocci relatou ainda “o choque ao ter visto Lula sucumbir ao pior da política no melhor dos momentos do seu governo”. O ex-ministro tinha sido suspenso do PT depois de fazer acusações a Lula, em busca de delação premiada. Recibos de aluguel entregues pela defesa do ex-presidente à Justiça trazem incorreções, como datas que não existem e repetidos erros de digitação. -

Palocci decide sair do PT e ataca: ‘Somos um partido ou uma seita?’

Em carta, ex-ministro afirma que Lula ‘sucumbiu ao pior da política’

Dimitrius Dantas e Thiago Herdy | O Globo

-SÃO PAULO- O ex-ministro Antonio Palocci se adiantou ao processo de expulsão iniciado pelo PT na semana passada e decidiu sair oficialmente do partido. Em carta de quatro páginas enviada da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, onde está preso há um ano, Palocci admitiu que cometeu ilegalidades, atacou o ex-presidente Lula e sugeriu que o PT, assim como ele, passe a colaborar com a Justiça em um acordo de leniência.

Com palavras fortes, Palocci comparou a devoção de petistas, em meio ao escândalo de corrupção, à pratica de uma seita religiosa. Disse ainda que houve um desmonte moral do ex-presidente e que a corrupção foi tratada “apenas como um detalhe” por Lula.

“Até quando vamos fingir acreditar na autoproclamação do ‘homem mais honesto do país’, enquanto os presentes, os sítios, os apartamentos e até o prédio do Instituto (!!!) são atribuídos a Dona Marisa? Afinal, somos um partido sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?", escreveu Palocci.

O ex-ministro aproveitou a carta para fazer uma retrospectiva do crescimento do partido, desde a chegada ao poder, em 2002, até os primeiros momentos em que, segundo ele, viu Lula “sucumbir ao pior da política no melhor dos momentos do seu governo”. Para o ex-ministro, conquistas foram deixadas de lado para priorizar a corrupção no governo.

“‘O cara’, nas palavras de Barack Obama, dissociou-se definitivamente do menino retirante para navegar no terreno pantanoso do sucesso sem crítica, do ‘tudo pode’, do poder sem limites, onde a corrupção, os desvios, as disfunções que se acumulam são apenas detalhes, notas de rodapé no cenário entorpecido dos petrodólares que pagarão a tudo e a todos”, escreveu.

A carta de desfiliação de Palocci é mais um capítulo da relação entre o partido e o ex-ministro, desgastada após o anúncio de Palocci, que decidiu colaborar com as investigações da Lava-Jato. A relação entre ambos foi rompida de vez após o interrogatório do ex-ministro no último dia 6. Entre as acusações feitas contra Lula, estava um “pacto de sangue” firmado entre o ex-presidente e a Odebrecht que envolvia vantagens como o sítio de Atibaia e R$ 300 milhões para campanhas do partido.

PERPLEXIDADE
Palocci afirmou ter tomado a decisão de falar o que sabe para acelerar o processo de apuração de ilegalidades. O ex-ministro defende que o partido tome o mesmo caminho. Ele diz também estar disposto a enfrentar qualquer procedimento de natureza ética por causa das ilegalidades que cometeu. Palocci ressaltou, no entanto, que apenas poderá falar ao fim das negociações de seu acordo de colaboração.

“De qualquer forma, quero adiantar que, sobre as informações prestadas no último dia 6 de setembro, são fatos absolutamente verdadeiros”, escreveu.
No interrogatório, Palocci já havia afirmado que Lula tinha conhecimento da corrupção em seu governo, inclusive teria indicado que os contratos de sondas do pré-sal teriam servido como fonte de propinas para financiar a eleição da expresidente Dilma Rousseff.

Segundo Palocci, o pedido ocorreu em uma reunião na biblioteca do Palácio do Alvorada em 2010 em que estavam presentes, além dele, o então presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, e a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Na carta, Palocci reforçou a denúncia: “Um dia, Dilma e Gabrielli dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada, onde Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom, sem cerimônia, na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o país construiu em toda nossa História”.

Palocci pediu à presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que o partido se renove e assuma os erros e ilegalidades cometidos durante os mandatos de Lula e Dilma. O ex-ministro também citou uma conversa que teve com Lula e Rui Falcão, expresidente do partido, em que diz ter apresentado uma proposta de acordo de leniência entre o partido e a Operação Lava-Jato, sugerida pelo ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto.

O ex-ministro criticou ainda a suposta incoerência do partido, que só iniciou o processo de expulsão após o interrogatório de Palocci. “Enquanto os fatos me eram imputados e eu me mantive calado, não se cogitava minha expulsão. Ao contrário, era enaltecido por um palavrório vazio”, disse o ex-ministro.

LULA: “PALOCCI INVENTA”
De acordo com o Palocci, “chegou a hora da verdade” para o PT. Segundo o ex-ministro, sua geração falhou e o momento é de rejuvenescer o partido para recriar a esperança de um exercício saudável da política. Palocci lembrou que, ao coordenar as campanhas eleitorais do partido, acompanhou de perto a evolução do poder da legenda e também a deterioração moral.

“Nos acertos e nos erros, nos trabalhos honrados e nos piores atos de ilicitudes, nunca estive sozinho”, sustenta o ex-petista.

Ao final, o ex-ministro disse que está disposto a esclarecer os fatos ao partido e aceitará qualquer penalidade que seja aprovada, assim que possível.

“São situações que presenciei, acompanhei ou coordenei normalmente junto ou a pedido do ex-presidente Lula. Tenho certeza que, cedo ou tarde, o próprio Lula irá confirmar tudo isso”, disse o ex-ministro.

Em nota, o ex-presidente Lula afirmou que Palocci inventa acusações para obter um acordo de colaboração premiada.

O PT afirmou que a carta se destina aos procuradores da Lava-Jato, com mentiras em troca de benefícios penais e financeiros. A nota diz que o ex-ministro demonstra fraqueza de caráter ao se referir de forma desrespeitosa e caluniosa a Lula para agradar a seus inquisidores.

A assessoria de imprensa da ex-presidente Dilma Rousseff reafirmou que Antonio Palocci mente. (Com G1)

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