Em meio a uma grave escassez de bens de primeira necessidade, agora falta dinheiro na Venezuela. Após a imposição da Assembleia Constituinte, em um golpe executado pelo presidente Nicolás Maduro para tornar irrelevante o Congresso de maioria oposicionista, as ruas se esvaziaram, mas os desequilíbrios econômicos continuam se agudizando. Os chavistas poderiam aproveitar a relativa calmaria política, fruto da indecisão e falta de rumos dos partidos de oposição, para se dedicarem a um plano mínimo para consertar uma economia arruinada. Maduro e seu governo, porém, continuam devaneando.
A inflação é o termômetro da ruína econômica do país. Depois que o governo decidiu não divulgá-la mais, há apenas estimativas privadas. Por elas, calcula-se que os preços chegarão ao fim do ano com avanço de 717%, enquanto que a recessão se aprofunda, a caminho de uma contração superior a 5%. A vida tornou-se um inferno para o cidadão venezuelano. A cada dois meses o governo aumenta o salário mínimo, o que deve ocorrer pelo menos mais uma vez até o fim do ano, com reajuste de 40%. As correções do mínimo, no entanto, mal ultrapassariam a metade da evolução dos índices de preços, isto é, atingiriam 378%, segundo estimativa da Torino Capital.
A falta generalizada de produtos tornou os bens de primeira necessidade, quando encontrados, com preços inacessíveis. A cesta básica venezuelana subiu entre julho de 2016 e julho deste ano 339,3%, mas isto não diz tudo. Ela custa agora 2 milhões de bolívares, ante um salário mínimo mensal que não chega a 350 mil bolívares (El Universal, ontem). A diferença entre os preços controlados e os preços de "mercado" bateu em 10433%.
Com a inflação fora de controle, os consumidores tem de levar montanhas de dinheiro para comprar o que precisam. O resultado é que a associação de bancos venezuelanos reclamou que as instituições possuem apenas 60% do numerário necessário para satisfazer a demanda por moeda em suas 3400 agencias e 9900 caixas eletrônicos - há disponíveis 14,3 bilhões de bolívares para uma procura de 23,7 bilhões.
O absurdo sistema multicambial do país sofreu interrupção nos últimos dias, diante das sanções americanas à Venezuela. Para "livrar-se do dólar", como bravamente prometeu Maduro, o governo ajustará a paridade da moeda a uma cesta que inclui rúpias indianas, yuans da China, ienes do Japão e sabe-se mais o que. Até que faça isso, o sistema está paralisado. É uma demanda óbvia e antiga dos economistas locais que o câmbio seja unificado, mas as autoridades não se movem nessa direção. Como está, ele é fonte segura da obtenção de fortunas fáceis pela manipulação e pela corrupção.
As reservas internacionais, por seu lado, estão minguando. Situam-se hoje ao redor dos US$ 10 bilhões, enquanto que uma dívida de US$ 4,5 bilhões vence agora em novembro. Atrair capital externo, porém, não é uma tarefa fácil em uma economia estatizada como a da Venezuela e ainda menos se o governo não tem a menor intenção de facilitar as coisas. Na semana passada, informa o "Financial Times", Maduro anunciou à Constituinte uma nova lei sobre investimentos que permite expropriações, obriga os investidores a manterem o capital no país por 5 anos e obriga a que os litígios sejam resolvidos pelas leis e instituições venezuelanas.
No plano político, as manifestações refluíram e as oposições não sabem muito o que fazer. Foram antecipadas para o dia 15 de outubro (data ainda não oficial) as eleições para governador e não resta à Mesa de Unidade Democrática senão participar delas, até mesmo por falta de opção. A Assembleia Legislativa foi reduzida à insignificância.
Sem a oposição nas ruas, o governo de Nicolás Maduro aceitou uma nova tentativa de mediação capitaneada por Danilo Medina, presidente da República Dominicana e pelo ex-chefe de governo espanhol, José Zapatero. Ontem eles se reuniram com Julio Borges, presidente do Congresso e outros membros da oposição, mas, recobrando a iniciativa política, Maduro não deve ceder em nada substancial e vai manter os poderes ditatoriais que agora conseguiu.
O resultado do desastre econômico venezuelano, sem solução à vista, com as vias da solução política inteiramente bloqueadas, trará piores condições de vida para os cidadãos e mais pressão migratória para os vizinhos, como o Brasil.
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