Na solenidade de posse da nova procuradora-geral, presidente se coloca ao lado do grupo que manobra no Congresso para conter combate à corrupção
Por mais protocolares que fossem, os discursos feitos na posse da nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, seriam lidos nas entrelinhas, devido às circunstâncias. Estava à mesa de honra da solenidade, segunda-feira, além da própria Dodge, é claro, o presidente da República, Michel Temer, denunciado duas vezes pelo antecessor de Dodge, Rodrigo Janot. Sendo que a segunda acusação, já encaminhada ao Supremo, presidido pela ministra Cármen Lúcia, sentada ao lado direito de Temer, será remetida, como a primeira, à Câmara dos Deputados, representada, na mesma mesa, pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Para completar a cena que reuniu personagens centrais do momento político, faltou Rodrigo Janot, ausente com a justificativa de problemas protocolares. Não gostou de ter sido convidado à solenidade de transmissão do seu cargo por um burocrático e-mail.
Pode-se sempre pinçar passagens de discursos, em momentos como este, para interpretações. Dodge omitir a Lava-Jato não indica que a guerra contra a corrupção será suspensa, mas ficou claro, no discurso da nova procuradora-geral, que a pauta da PGR será ampliada, para abranger temáticas como o meio ambiente.
A participação do presidente Temer foi mais substantiva. Ao dizer, quase com todas as letras, que as denúncias contra ele ultrapassam limites legais, e por isso se tratam de um “abuso de autoridade”, Temer confirmou estar ao lado daqueles que no Congresso levantaram esta bandeira para evitar avanços da Lava-Jato: Renan Calheiros, Romero Jucá, Eunício Oliveira, entre outros, muitos do grupo do presidente no PMDB.
A nova procuradora defendeu, e fez bem, o equilíbrio entre os poderes. Mas o que pensam Temer e seu grupo é ir contra a Carta naquilo em que ela estabelece prerrogativas para o Ministério Público. Não gostam do atual equilíbrio entre os poderes, que permitiu a investigação do mensalão e do petrolão, para citar os esquemas de roubalheira na política mais conhecidos, e nos quais a pilhagem de dinheiro do contribuinte foi pluripartidária, da situação e oposição.
Foi elucidativo que o advogado de defesa de Temer, Antônio Claudio Mariz, defendesse no Supremo que a Corte impedisse o MP de denunciar o presidente, diante de um estupefato Marco Aurélio Mello. Afinal, registrou de forma oportuna o ministro, o MP age independentemente do Executivo e do Judiciário. E cabe a este aceitar ou não o mérito das denúncias dos procuradores, mas nunca barrá-los de forma liminar, como gostaria o advogado de Temer e, por suposto, o seu cliente.
A tese do abuso de autoridade para tolher órgãos de investigação do Estado não tem prosperado no Congresso como gostariam. Mas está visível a todos que, independentemente do que aconteça com a segunda denúncia contra Temer, manobras para tolherem o MP continuarão. Mais um problema para Raquel Dodge.
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