A bolsa brasileira bate recordes sucessivos, em um movimento impulsionado principalmente pelos investidores externos. Há muito de desejo e até um pouco de mistificação em atribuir a melhora no comportamento das ações à perspectiva de um crescimento forte da economia em 2017. As previsões do governo, ávido por boas notícias, estão na ponta mais otimista e já começam a desbordar 3%, cifra ratificada por algumas consultorias e bancos - onda positiva de ambos no passado recente, baseada nos índices de confiança, não suportou o choque com a realidade. Desta vez pode não ser diferente.
A mudança do cenário doméstico, com o fim da recessão, tem grande peso na reviravolta das bolsas, mas são as condições econômicas externas que fornecem o incentivo para que os investidores de fora apostem nas ações brasileiras. Os ativos dos países emergentes como um todo voltaram a ser procurados com intensidade, apontou o BIS, diante da volatilidade muito baixa dos mercados e do dólar em queda.
Levantamento da Capital Markets indica que os investidores estrangeiros colocaram R$ 4,54 bilhões na bolsa brasileira nos 21 dias úteis encerrados em 14 de setembro, ao contrário do comportamento das outras categorias de investidores - instituições financeiras, institucionais, pessoas físicas e empresas - que têm posição perto de zerada ou fluxo negativo. (Valor, ontem).
O crescimento econômico global agora é mais robusto, mostra-se sincronizado - países desenvolvidos e emergentes estão em expansão - e com boa potência. Os EUA caminham para crescer um pouco acima de 2% este ano, a zona do euro pode crescer mais que isso e a China manterá com facilidade expansão em torno ou acima de 6,5% no ano. O PIB japonês avançou 4% no segundo trimestre.
Mas a maré dos riscos está em alta e os mais visíveis vêm dos mercados financeiros que, com a lenta normalização das políticas monetárias, estão há um bom tempo empilhando posições em ativos de maior retorno e baixa segurança. As bolsas dos países desenvolvidos, em especial as dos EUA, também batem recordes diante da baixa rentabilidade dos bônus soberanos. A empresa de classificação de risco Fitch colocou os títulos soberanos entre os que mais recuperaram seus scores entre as várias categorias de papéis. Além disso, os spreads dos títulos corporativos são os menores desde a crise financeira de 2008.
A contrapartida é que os empréstimos alavancados não param de subir (chegaram a US$ 1 trilhão, segundo a S&P) e a distribuição da classificação de riscos piorou. A fatia de títulos com grau de investimento em relação ao total declinou 10% nos EUA e 20% na zona do euro de 2000 a 2017, segundo a Fitch (FT, 18 de setembro). Ainda a Fitch: a dívida pública de 25 países atingirão agora seu maior nível em 17 anos.
A maior aceitação do risco, que beneficia o Brasil, se baseia fundamentalmente no baixo impulso inflacionário nos países ricos, que tem retardado a elevação dos juros. Uma reversão a curto prazo desse cenário é pouco provável, mas possível.
O maior fator de risco é Donald Trump. Sua retórica incendiária alimenta a possibilidade de conflito com a Coreia do Norte, e ontem na ONU o presidente americano voltou suas baterias contra o acordo feito com o Irã para congelar seu programa nuclear. De efeitos econômicos desestabilizadores é a incerteza sobre como se comportará o Federal Reserve a curto prazo. Trump terá as mãos livres para nomear nada menos que 5 membros do banco, inclusive seu presidente - o mandato de Janet Yellen se encerra em fevereiro. Alguns nomes cotados têm credenciais mais ortodoxas do que a de Yellen, mas os desígnios de Trump, e não só para o Fed, são insondáveis.
A recuperação brasileira e a forte queda dos juros reorientaram os preços dos ativos, com vantagem imediata para as bolsas. No entanto, o cenário mais provável ainda é o de uma retomada lenta, sujeita aos trancos da crise política. O Congresso vai parar mais uma vez para debulhar uma segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, que deverá ser rejeitada. A proximidade do início de uma disputa eleitoral imprevisível, logo a seguir, tende a inibir o ânimo dos investidores. Há limites para o entusiasmo nas bolsas, para o otimismo com a economia e para a esperança de uma saída fácil do imbróglio político.
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