- O Globo
A economia dá sinais mais fortes de recuperação, mas uma pergunta ainda fica no ar: o que falta para o crescimento deslanchar? Há as respostas de sempre, como a crise fiscal e a incerteza política, que diminuem o horizonte para os investimentos. Mas há também questões mais pontuais. Uma delas é que tem faltado crédito para as empresas, mesmo com a forte queda da inflação e dos juros.
Os juros reais da economia, quando se desconta da Selic a taxa de inflação, já caíram da casa de 8% para 3%, mas as empresas continuam relatando dificuldades na obtenção de crédito. Esse é um dos nós da economia neste momento. O empresário que recebe encomendas — e pode aumentar rapidamente a produção recompondo capacidade ociosa — não consegue financiar o capital de giro. Ou seja, não tem dinheiro para comprar as matérias-primas para a produção. Com isso, acaba deixando máquinas paradas e adiando a contratação de pessoal.
A concessão dos bancos para o financiamento do capital de giro está com queda de 14,3% de janeiro a agosto deste ano, segundo dados do Banco Central. Em agosto, houve alta de 7%, mas que não recupera a forte retração de 32,9% em julho. Pelos números, ainda não se vê uma tendência definida de melhora. Nem mesmo o BNDES vem cumprindo essa função. O financiamento do banco púbico para capital de giro despenca 55% no ano, com número negativo de 36% em agosto. Por todos os lados, as empresas têm tido dificuldade para financiar a produção.
Um dos problemas, explica o economista-chefe da Acrefi, Nicolas Tingas, é que os bancos continuam contabilizando perdas por empréstimos feitos anteriormente. Isso fica mais claro quando se olha para a inadimplência nas linhas de capital de giro, que subiu de 6% em julho do ano passado para 6,7% este ano. Nas linhas do BNDES, houve alta de 1,3% para 1,9% na mesma comparação.
— O cenário para o crédito às empresas é o contrário do que já começamos a ver na pessoa física. Os bancos estão sem lastro e ainda estão limpando as suas carteiras, se recuperando de empréstimos que foram concedidos e não deram retorno. Já na pessoa física, dá para dizer que existe melhora na ponta — explicou.
O professor do Insper Fábio Astraukas, CEO da consultoria Siegen, explica que este é um momento de enorme risco para as empresas. Mesmo com a volta do crescimento do PIB, ele avalia a situação atual como uma segunda fase da crise, quando as companhias poderão ter problemas de solvência justo na hora da recuperação.
— As empresas, hoje, já queimaram caixa e venderam ativos para enfrentar o período de recessão. Agora, elas recebem pedidos de encomendas e precisam contratar matéria-prima, como plástico, aço, mão de obra. O problema é que a maioria não tem recursos. E isso trava a retomada da economia — explicou.
Astraukas diz que essa situação é perigosa, porque muitas empresas podem tomar crédito a custos elevados, e, em um ambiente ainda de economia morna, não conseguir atingir as metas de vendas.
— A margem de lucro está baixa, por causa da recessão, e o crédito continua caro para as empresas. É um momento de muito risco — afirmou.
Na última semana, a Boa Vista SCPC soltou indicador mostrando que a demanda por crédito das pessoas físicas cresceu 5,2% em agosto. O apetite por financiamento das famílias está voltando, na medida em que a inflação cai, as taxas de juros ficam mais atraentes, e o medo do desemprego diminui. Além disso, o endividamento caiu para 41,58% da renda anual, o menor nível desde setembro de 2011.
— Quando a gente olha para as taxas de inadimplência, na pessoa jurídica, ainda há uma tendência de alta, enquanto nas pessoas físicas, está acontecendo queda. Por isso, a postura dos bancos é diferente neste momento — afirmou Flávio Calife, economista da Boa Vista.
O BNDES poderia ocupar esse espaço, dizem os especialistas, mas não é isso que vem acontecendo. Os maus empréstimos concedidos no passado agora obrigam o banco a restringir outras linhas, como a do capital de giro, e isso atrasa a recuperação da economia.
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