Por Cristian Klein | Valor Econômico
RIO - O colapso da segurança pública no Rio, simbolizado pela violência na Rocinha, terá como resultado um fortalecimento da "direita" e de candidatos da "bancada da bala" que defendem uma agenda "linha dura" nas próximas eleições, afirmam analistas ouvidos pelo Valor. A crise, apontam, fortalece o clã do presidenciável Jair Bolsonaro (PSC). Como segunda hipótese, o aumento da violência também tem o potencial de incentivar a presença de "aventureiros" nas disputas majoritárias.
'Bancada da bala' cresce no Rio com colapso da segurança pública
O colapso da segurança pública no Rio, simbolizado pela violência na favela da Rocinha, terá como efeito mais direto nas eleições de 2018 no Estado, afirmam políticos e analistas consultados pelo Valor, um fortalecimento da direita e de candidatos da "bancada da bala" que defendem uma agenda da lei e da ordem. A crise, apontam, joga água no moinho do clã liderado pelo ex-militar e presidenciável Jair Bolsonaro (PSC), cujos filhos Carlos, vereador, e Flávio, deputado estadual, são cotados para concorrer tanto ao Senado quanto para governador. "Sem dúvida esta crise fortalece o discurso conservador", constata o antropólogo e ex-secretário estadual de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares.
Como segunda hipótese, o aumento da violência no Rio tem o potencial de reforçar a imagem de um cenário de terra arrasada e incentivar o lançamento de aventureiros nas disputas majoritárias, entre eles candidatos que venham de fora do Estado. É o que vislumbra o deputado federal Miro Teixeira (Rede), decano da Câmara, a partir de observações e conversas que tem tido em Brasília. Sem citar nomes ou projetos, o parlamentar afirma que "percebe uma excitação ainda não revelada" de partidos que cogitam implantar candidaturas no Rio de pessoas que não tenham domicílio eleitoral no Estado. Miro, porém, não se refere ao governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, que foi incentivado pelo ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga, a se transferir para o Rio. "Hartung não é um aventureiro", ressalva o deputado, que se declara um pré-candidato a governador, 35 anos depois de concorrer ao cargo, em 1982.
A previsão, de modo unânime, é que a eleição ao Palácio Guanabara no ano que vem será tão pulverizada quanto foi a presidencial de 1989 e para a prefeitura, no ano passado. Diretor do instituto IBPS, que fez os levantamentos mais recentes para a disputa, o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro afirma que, tradicionalmente, as pesquisas mostram que, no Brasil, o tema que mais preocupa o cidadão é a saúde, mas no Rio, que seria exceção, é a violência. Entre os fluminenses, diz Tadeu, o assunto costuma ser citado como maior problema por cerca de dois terços do eleitorado, bem à frente de saúde, na faixa entre 20% e 25%. "Meu prognóstico é que a menção à violência atingirá agora uns 80%", afirma.
O pesquisador lembra que, apesar de ter posteriormente implantado as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), um programa hoje agonizante, o ex-governador Sérgio Cabral venceu a eleição de 2006 com uma plataforma do enfrentamento. "A UPP veio por acaso, foi uma mudança de rota. O discurso que ganha eleição é o da solução rápida. Muitos não querem esperar dez anos para que sua vida e patrimônio sejam protegidos", diz.
Na pesquisa feita em maio, o senador Romário (Podemos) aparecia em primeiro lugar, com 16,9% das intenções de voto, seguido por Carlos Bolsonaro (PSC), 11,4%; o ex-prefeito Eduardo Paes (PMDB) e o ex-governador Anthony Garotinho (PR), ambos em terceiro com 9,9%, Indio da Costa (PSD), 6,7%, e Bernardinho (Novo), 4,6%. Monteiro diz não acreditar na candidatura de Romário - que desistiu de concorrer a prefeito no ano passado depois de muito demorar a se lançar. "Ninguém leva muito a sério. Como na época de jogador, ele não entra em bola dividida", afirma.
Sem Romário e talvez sem Garotinho, que tem de longe a maior rejeição entre os pré-candidatos - 38%, o dobro da de Paes - aumentariam as chances do clã Bolsonaro colher votos no chamado eleitorado "popular" do Rio, por meio do discurso beligerante de combate à violência. Para o deputado federal petista Wadih Damous, ex-presidente da seção fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil, é improvável que surja outro candidato com o mesmo perfil. "Esse espaço já está ocupado pelo Bolsonaro, há muito tempo. Outro que queira competir com esse discurso - fascista, da política de segurança como guerra - não vai ter muita condição", diz. O parlamentar cita o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim como pré-candidato do PT ao governo estadual.
Para o presidente nacional do PDT e ex-ministro do Trabalho, Carlos Lupi, a questão da segurança "vai pegar um gueto da direita" mais radical, representada pela família Bolsonaro, mas também "vai ter um ar mais rebuscado", de candidatos conservadores de perfil liberal. O aumento da violência tem o condão, afirma, de conduzir o debate "cada vez mais para a direita". "É o discurso do 'bandido bom é bandido morto', do prende, mata e arrebenta. Isso cresce até em segmentos esclarecidos da sociedade, o que nos preocupa", afirma.
Lupi diz que imaginar que a violência só está ligada ao tráfico "é uma mentira", pois o problema envolve o controle das fronteiras - onde as Forças Armadas deveriam atuar, em vez de subir a favela, sem "traquejo" - e o controle territorial das comunidades, que são exploradas por traficantes ou milicianos, que cobram taxa pelo serviço de mototáxi, fornecimento de gás, TV por assinatura clandestina e dos comerciantes locais. "O tiro, a morte já são a consequência disso tudo. Educação é a única solução. Para cada chefe que você mata, tem mil para substituí-lo. Sai o Joaquim 147 e entra o Pedro 162", diz, numa referência a Rogério 157, que trava disputa interna pelo comando da Rocinha com o chefe da facção Amigo dos Amigos (ADA), o traficante Nem, preso em Porto Velho.
O presidente do PDT conta que procura um palanque no Rio para o pré-candidato do partido à Presidência da República, Ciro Gomes. Pode ser um nome do próprio PDT ou de outra sigla, como o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, do PV. Afirma que toda vez que encontra com Eduardo Paes o convida para se filiar ao PDT - mas que o ex-prefeito "faz charme". "Se ele sair do PMDB e não aparecer nenhuma mácula maior, será competitivo. Do contrário, a chance é zero", vaticina.
Lupi também afirma descrer do potencial do ex-secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame. Acha "pouquíssimo provável" uma candidatura dele, mesmo com o aumento da preocupação do eleitorado com a violência e apesar da inclinação de Beltrame em valorizar a solução de problemas sociais - abordagem típica da esquerda para a questão da segurança. Considera uma tarefa difícil explicar por que as UPPs estão "falidas" depois de dez anos - um longo tempo para a implantação.
Para o presidente nacional do Novo, Moisés Jardim, o tema violência será tão ou mais importante nas eleições do que o ajuste fiscal de um Estado em situação falimentar. Incentivador da candidatura de Bernardinho, ele acha que o ex-técnico da seleção de vôlei, ainda reticente a entrar na política, numa escala de zero a dez, tem chance oito de concorrer.
Para o ex-prefeito Cesar Maia (DEM), segurança e finanças andarão juntas na campanha a governador. "São questões conexas. Como tratar de segurança sem mostrar onde estão os recursos?", pergunta. O vereador, cotado para disputar o Palácio Guanabara, diz que o clã Bolsonaro ou outros candidatos que ressaltarem o discurso da lei e da ordem podem se beneficiar, mas também se prejudicar. "Depende. Podem receber apoio de um setor e rejeição de outros", afirma.
Na mesma pesquisa de maio do IBPS, quem apareceu à frente para a eleição das duas vagas ao Senado foi a ex-delegada Martha Rocha, eleita deputada estadual pelo PSD e hoje no PDT. "É o que eu chamo de 'delegada social'. Ela tem uma visão de segurança que considera sempre o ser humano em primeiro lugar. A vida para a gente vale mais", diz. Em diferentes cenários, o deputado estadual Marcelo Freixo (Psol) e Flávio Bolsonaro pontuam em segundo e terceiro lugar, respectivamente.
O levantamento foi encomendado ao instituto pela Frente Favela Brasil, que em agosto protocolou pedido de registro no Tribunal Superior Eleitoral para se tornar um partido. Liderada por Celso Athayde, produtor cultural e fundador da Central Única das Favelas (Cufa), a organização quis medir a força para a disputa ao Senado do rapper MV Bill, que ficou em sexto lugar, à frente de Leonardo Picciani (PMDB). Além de letras de músicas sobre o cotidiano de violência nas favelas, MV Bill codirigiu com Athayde, seu empresário artístico, o documentário "Falcão - Meninos do Tráfico".
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