Em um ambiente favorável ao recrudescimento do nacionalismo, não foi uma surpresa a votação para que a Catalunha se separe da Espanha. Por pouco, antes do Reino Unido, em referendo, cortar seus laços com a União Europeia, a Escócia não fez o mesmo com o Reino Unido. Mas o desagrado catalão com o governo central de Madri tem fortes raízes históricas e econômicas nacionais, com força suficiente para criar um desestabilizador impasse político, dadas a radicalização dos partidos separatistas e a inabilidade do primeiro ministro direitista Mariano Rajoy, em lidar com uma questão que sempre foi explosiva.
A realização do plebiscito pela independência, contra todos os obstáculos, foi uma jogada de alto risco do governo catalão, cujo resultado foi não só emparedar o governo espanhol como a si próprio. Em princípio, Carles Puigdemont, líder do governo catalão, lançou uma ofensiva contra um governo central enfraquecido. Após várias tentativas de formação de governo, o PP, avariado por denúncias de corrupção, conseguiu formar uma coalizão que se apoia também nos bascos, outra nacionalidade às turras com Madri desde sempre.
A coalizão frágil de Rajoy acionou a memória histórica catalã ao enviar policiais para tentar impedir a votação, repetindo a brutalidade com que o povo da Catalunha fora tratado pelos fascistas de Francisco Franco e pelo centralismo autoritário de Madri, que reinou por décadas e só foi atenuado com a redemocratização do país e a ascensão dos socialistas ao poder.
Rajoy aferrou-se à lei. A Justiça considerou o referendo ilegal e a Constituição da República veta a separação. Legalmente, o primeiro ministro cumpriu o seu dever. Mas ele deveria ter se empenhado em negociações, oferecer alguma vantagem para levar os catalães a fazer concessões e permitir a realização do plebiscito - um direito legítimo dos separatistas. Com o apoio dos empresários e da classe média, o governo catalão dera sinais claros de que a iniciativa dessa vez poderia ir mais longe do que nas anteriores. Exemplo: as regras para o referendo não fizeram nenhuma menção ao mínimo de votos necessários para que seu resultado fosse considerado válido.
É óbvio que uma maioria inconvincente não levaria a Catalunha a declarar independência, mas foi com base no polêmico referendo de ontem, que deixou de ter os controles de votação necessários de uma situação normal, que Puigdemont declarou que em 48 horas, com a sanção do Parlamento regional, cumpriria o desígnio das urnas. É muito possível que, em um ambiente menos carregado, a independência não venceria o pleito. Mesmo supondo que a votação tenha sido válida, só 42% dos eleitores compareceram e 90% sufragaram a separação - 37%, ou pouco mais de um terço, foram favoráveis a tornar a região um país autônomo.
Essa é a enrascada em que se meteu Puigdemont e as forças políticas que o apoiam. Ceder a Madri e voltar atrás significa desrespeitar a vontade de 2,2 milhões que foram às urnas para dar seu voto pela separação e fazer o contrário do que pregaram até ontem. Por outro lado, se há duvidosa base de apoio à separação, Puigdemont será irresponsável em levar adiante seus propósitos, cujo desfecho implica, entre outras coisas, a saída da zona do euro e a criação de uma moeda própria.
A compreensão das dificuldades políticas e das consequências abrangentes da separação levaram Puigdemont a aceitar um caminho intermediário, que não se sabe qual é. "O governo entende que chegou o momento de invocar a mediação", disse ontem. "Não estou declarando a independência".
O espaço de negociação é sabidamente estreito. A União Europeia considerou ilegal o plebiscito, mas condenou também a pancadaria que deixou quase 900 pessoas feridas. A ficha da gravidade da situação não parece ter caído ainda para Rajoy, para quem simplesmente não houve a votação, já que as forças policiais de Madri impediram com violência boa parte dos eleitores de se manifestar. A brutalidade pode convencer os catalães reticentes de que a separação é o melhor caminho e a intransigência de Madri pode ter o mesmo efeito. A falta de apoio claro e inequívoco à independência pode deter Puigdemont do passo radical e levá-lo em condições de força a barganhar mais independência à Catalunha do que ela já dispõe e alívio do fardo fiscal de que tanto se queixa. Há meios de pôr fim ao impasse.
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