- O Globo
STF precisa evitar impressão de agir por casuísmo. O movimento do Supremo Tribunal Federal de rever a prisão após condenação em segunda instância, agora que o ex-presidente Lula foi condenado, é casuísmo. Mostra que a lei não vale para todos. O sinal dado é que Lula é pessoa pela qual se deve mudar um entendimento em vigor. Ele passa a ser, na cidadania brasileira, superior aos outros, ou, como preferem os doutos, primus inter pares.
Lula não está sozinho nessa torcida para que mude o entendimento do Supremo. Há políticos, empresários, servidores, investigados, denunciados ou condenados pela Lava-Jato que querem que continue a existir essa interminável avenida recursal, pela qual sempre caminhou a impunidade brasileira para os crimes de colarinho branco. Imagine só a torcida na cela de Sérgio Cabral ou de Eduardo Cunha. Há torcida também até no Planalto, afinal, ao fim do mandato o ex-presidente Michel Temer enfrentará os processos dos quais fugiu recentemente quando o Congresso recusou as denúncias do Ministério Público.
Há várias questões postas diante desse nó cego em que o país está. Dois ex-presidentes estavam, na quinta-feira, no palco de uma reunião partidária quando o PT fez repetidas afirmações de que não respeitaria a decisão judicial. A promessa foi afrontar o Judiciário e responder à sentença com luta de rua. O que significa não respeitar decisão do Judiciário? Nada. É retórica de palanque apenas, porque se a ordem for de prisão será cumprida, e se a decisão for de inelegibilidade assim será. Ninguém pode ser candidato sem sê-lo pela lei eleitoral. A decisão de entregar o passaporte foi cumprida no começo da sexta-feira, distanciando discurso e gesto.
O que precisa ficar mais clara é a linha divisória entre retórica inflamada de campanha e o que líderes políticos, principalmente os que já tiveram o poder de governar o Brasil, podem dizer ou estimular. A briga que conta, e o PT sabe disso, é a que ele travará nos tribunais da mesma Justiça que ele diz desprezar quando recebe resultados desfavoráveis.
Se o STF considerar, por uma nova maioria, que a prisão após a condenação em segunda instância fere princípios constitucionais, que o faça e tem esse poder. Mas é preciso deixar bem claras as razões que levam uma corte suprema a ser tão instável em sua interpretação das leis. Afinal, há pouco mais de um ano o placar foi outro. Revista agora, parecerá uma interpretação sob medida para resolver problema específico de pessoa determinada. É preciso afastar a impressão de que numa república existam pessoas especiais, com mais direitos que os outros, diante da Justiça.
O ministro Torquato Jardim pede prudência no cumprimento da pena, já que há essa incerteza jurídica sobre o assunto. O problema é que se a Polícia Federal receber a ordem de prisão para cumprir, o que poderá fazer para ser prudente? Avisar ao Tribunal que por enquanto não poderá cumprir a determinação porque está aguardando mudança de entendimento do STF? Não há saída boa para este dilema.
Na visão dos procuradores da Lava-Jato, a decisão do STF de autorizar a prisão após a segunda instância foi considerada essencial para se coibir a impunidade no Brasil. E isso teria levado vários suspeitos à colaboração com a Justiça. Temem que mudar esse entendimento restaure a confiança na falha institucional brasileira que distribui os pesos das leis de forma desigual entre seus cidadãos.
O STF não pode tomar uma decisão para agradar à Lava-Jato, nem pode encontrar uma saída sob medida para o ex-presidente Lula. Esse é o centro do dilema institucional da Suprema Corte. A operação Lava-Jato é o mais importante esforço de mudança dos costumes políticos e empresariais desde a redemocratização. Mesmo assim, o STF tem que ser capaz de tomar, de forma independente, a decisão que couber: manter ou alterar seu entendimento sobre quando se dá o início do cumprimento da sentença. Não pode decidir por ter medo do risco de prender o líder mais popular do Brasil, nem se deixar pressionar por uma operação de combate à corrupção que tem o apoio amplo do povo brasileiro. Com a palavra, o STF. Ele, além de julgar, precisará explicar bem a decisão de forma a ser entendida como ato juridicamente sustentável.
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