A Itália tornou-se o elo político mais frágil da zona do euro após as eleições de domingo. Na economia, ela já é há algum tempo um fator de preocupação, com uma década de estagnação e sua lenta recuperação do tombo provocado pela grande crise financeira de 2008. O mais forte defensor da zona do euro, o Partido Democrático, de centro-esquerda, teve menos de 20% dos votos, enquanto que os direitistas da Liga e os rebeldes do Movimento Cinco Estrelas, eurocéticos ambos, obtiveram mais de 50% dos votos.
O resultado eleitoral somou mais impasses à longa tradição da política do país, que produziram 64 governos em 70 anos. O presidente Silvio Mattarella deve convidar um dos grandes vencedores para formar o governo, mas nenhum deles é capaz de moldar uma maioria sozinho. O Movimento Cinco Estrelas, uma piada do comediante Beppe Grillo que deu certo e completa 10 anos, foi o mais votado, com 32,7%. A coligação de centro-direita, com a Liga Norte (17,4%) e Forza Italia (14%), de Silvio Berlusconi e dois partidos menores, teve 37,5%.
O 5 Estrelas dominou o eleitorado do sul, enquanto a Liga varreu o norte, suplantando o maior partido de direita, o de Berlusconi, e deu um grande salto nas regiões tradicionalmente dominadas pela centro-esquerda, como a Toscana e Emilia Romagna.
As possibilidades de coalizão para a formação do governo são esdrúxulas, embora nada surpreenda na política italiana - Matteo Renzi, da centro-esquerda, se apoiou nos partidários de Berlusconi para governar. Agora Renzi, liderança do Partido Democrático, é contra uma aliança com o 5 Estrelas, depois de uma campanha cáustica dessa legenda contra os democratas. Com base no eleitorado que o sufragou e em pontos programáticos, uma aliança do 5 Estrelas com a Liga Norte, que teve em sua propaganda fortes tons racistas, é improvável.
O que aproxima os dois vencedores é a hostilidade a Bruxelas e ao euro, da mesma forma que sua recusa a prosseguir com o programa de austeridade fiscal e de reformas lançado por Renzi, quando foi primeiro ministro em 2014. O programa deu alguns resultados econômicos positivos, mas não teve e, ao que tudo indica, não terá continuidade.
A Itália, terceira maior economia do bloco do euro, vive um processo crônico de perda de produtividade e estagnação, coroado por um déficit público crescente que a colocou em 2017 como o quarto país mais endividado do mundo (131,5% do PIB), só atrás do Japão (250%), Grécia (174%) e Líbano (146%). Tanto a Liga Norte quanto o 5 Estrelas fizeram promessas eleitorais que implicam mais gastos e menos austeridade. E, dos países que foram castigados pelos investidores quando estourou a crise da Grécia, a Itália continua sendo o país com o sistema financeiro mais frágil dentre os que usam a moeda única.
As duas legendas mais votadas não fizeram campanha aberta pela separação da zona do euro, nem se comprometeram a realizar plebiscitos com essa finalidade. Depois da Holanda, do susto francês e do Brexit, os populistas avançaram na Itália e não é um consolo para a burocracia de Bruxelas que tenham sido quase suplantados pelo 5 Estrelas, que também rejeita o eurocentrismo.
A sacudida populista na Itália pode ser a última onda de um vagalhão que ameaçou submergir a Europa e foi contido. Embora o espaço para surpresas negativas tenha novamente crescido, Alemanha e França, as duas principais potências do continente, estão novamente alinhadas e dispostas, em princípio, a realizar mudanças que fortaleçam o funcionamento econômico e político da zona do euro.
Emmanuel Macron ganhou protagonismo no bloco após dizimar nas urnas as duas tradicionais legendas políticas francesas, o Republicanos e os socialistas, além de surrar os direitistas de Marine Le Pen. A coalizão da direita de Angela Merkel com os socialistas deu sinais de exaustão e quase ruptura, mas foi recosturada com a votação do SPD a favor de formar novamente um governo conjunto. Um revés de Merkel seria um sinal de alarme para o bloco, que as eleições italianas amplificariam. Com todas suas divisões, o eixo Paris-Berlim ainda pode ter força suficiente de atração para impedir a Itália de seguir o Reino Unido e despedir-se da União Europeia.
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