- Folha de S. Paulo
Multiplicação de cursos intitulados 'O Golpe de 2016' trai o espírito da academia
Professores universitários podem ter várias taras, mas aborrecer as pessoas não é uma delas —ou ao menos não uma muito prevalente. Por que, então, a prosa acadêmica é tão chata? Existem motivos intrínsecos para a proverbial capacidade dos “journals” e das bancas de tornar insosso até aquilo que é muito legal?
Eu suspeito que sim. Um pouco por exigências do sistema, um pouco por acidentes da história, o estilo acadêmico foi concebido para ser uma forma de escrita tão transparente e imparcial quanto possível. Dele foram banidos todos os artifícios retóricos de apelo emocional e também as técnicas narrativas que visam a tornar os textos mais interessantes. O recurso de descrever minuciosamente cada passo a ser dado é obrigatório.
Como brincou o filósofo Jonathan Wolff, um romance de detetive escrito pelo acadêmico ideal começaria com a seguinte frase: “Neste livro, mostrarei que foi o mordomo”. Aí é só preencher os detalhes.
Mesmo quando toma partido em favor de uma tese polêmica, o acadêmico ideal descreve a controvérsia em termos tão neutros quanto possível e precisa retratar de modo fiel os argumentos da parte oposta (princípio da caridade).
Fiz todas essas considerações sobre estilo para concluir que a multiplicação de cursos intitulados “O Golpe de 2016” trai o espírito da academia. Não é que os professores não possam se posicionar, mas, ao abandonar a cautela do estilo acadêmico, acabam revelando intenções panfletárias.
Pior mesmo só a atitude do titular da Educação de tentar calar quem ministra tais cursos. É coisa de quem faltou às aulas de democracia um e nunca cursou introdução à autonomia universitária.
De todo modo, mesmo sabendo que o acadêmico ideal não passa de uma ficção reguladora, espera-se mais da academia do que de um ministro do governo Temer.
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