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FHC reconhece que nas últimas décadas o Brasil mudou de patamar
O livro do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, Crise e reinvenção da política no Brasil, atingirá três públicos: os que não gostam dele e dirão “não li e não gostei”; os que são seus amigos e admiradores correrão o risco de cair na tentação pueril da idolatria; e os que, independente dos humores, terão em mãos uma obra de grande utilidade para compreender e refletir sobre sociedade contemporânea de modo amplo (o local e o global), intenso (o embate entre o velho e o novo: forças transformadoras e energias reacionárias) e extenso (as possibilidades da era da aceleração em criar um mundo melhor).
O autor define a obra como “um livro colaborativo”, resultante “da troca opiniões, correções e agregações” entre ele, Miguel Darcy de Oliveira e Sérgio Fausto. Ao assinar o livro, declara “sou o responsável pelas opiniões”. Sabiamente, antecipa uma autocrítica sobre o que deixou de fazer como senador, ministro e presidente da república, espécie de salvo-conduto para exercer o olhar crítico.
FHC reconhece que nas últimas décadas o Brasil mudou de patamar, apesar das recorrentes adversidades. Mudou muito, porém, ainda é refém de uma matriz cultural arcaica. Persistente. E para explicar os processos de mudanças, o autor busca auxílio em outras ciência ao usar o conceito de saturação.
Neste sentido, afirma: “As mudanças no Brasil se dão por saturação. Quando os custos de manutenção chegam ao limite, as instituições se mexem sob pressão da sociedade”; acrescenta: “Em várias áreas-chave, estamos neste ponto”; e explica: “Os conceitos sociológicos são historicamente saturados. Não são imutáveis”.
De fato, a saturação autoritária abriu as portas para a democracia política. A saturação inflacionária gestou a moeda e a cultura da estabilidade. A saturação da corrupção e sua irmã gêmea, a impunidade, filhas do pacto perverso do capitalismo de laços, vêm sendo enfrentados, com êxito, por instituições que garantem o império da lei.
Por sua vez, a saturação do estatismo, invasivo e perdulário, um vício nacional, precisa ser enfrentado sem as amarras caducas das ideologias. Na mesma linha, o sistema político, avalista dos interesses oligárquicos, deu as costas para a emergência de “cidadãos informados e alertas que não aceitam o papel de uma plateia passiva”.
Às vésperas da eleições, profetas e oráculos não ousam romper o silêncio. No reino da incerteza, um fato histórico é incontestável: o futuro da democracia continua a depender da escolha dos cidadãos.
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Gustavo Krause é ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco
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