- Folha de S. Paulo
Governos não cometem suicídio, mas podem subestimar riscos que correm
Beppe Grillo, Berlusconi e Lula foram condenados pela Justiça, o que os impede de se candidatarem a cargos eletivos. O primeiro por acidente de trânsito, o segundo por fraude fiscal e o último por recebimento de vantagem indevida. Grillo e Berlusconi encontraram substitutos nas eleições italianas de março deste ano. Lula está à procura de um.
Há outras coisas em comum entre eles: os três padeceram por iniciativas de sua própria lavra. Grillo foi o protagonista de um movimento similar ao Ficha Limpa. Berlusconi não pôde se candidatar devido à “legge di incandidabilità” (conhecida como Lei Severino, de 2012), a versão italiana da Ficha Limpa.
Grilllo criou o Movimento 5 Stelle (M5S) a partir de uma mobilização para barrar candidaturas de indivíduos com condenações judiciais. Devido à recusa dos jornais italianos a publicar as listas dos condenados, Grillo e seguidores acabaram recorrendo ao International Herald Tribune.
As assinaturas para a lei de iniciativa popular foram coletadas em 2007 em eventos intitulados “Vaffanculo Day” (dia do “vão tomar no...”). O sucesso obtido levou à conversão do movimento em partido em 2009.
Berlusconi, por sua vez, teve sua candidatura vetada por uma lei de iniciativa de seu próprio ministro da Justiça.
A lei foi proposta em meio a intenso ativismo político em face da crise fiscal da União Europeia na qual a Itália era vista como bola da vez. Após a derrota de Berlusconi em moção de confiança no Parlamento, seu partido Popolo della Libertà acabou posicionando-se contra a iniciativa e a lei foi batizada em homenagem a Paola Severino, ministra da Justiça de seu sucessor.
Provavelmente Lula terá sua candidatura vedada pela Lei da Ficha Limpa —lei de iniciativa popular, aprovada na esteira do mensalão, com massivo apoio da CNBB, CUT e OAB, e sancionada por ele próprio com apoio do PT.
Aprovadas por quase unanimidade (só 3% votou contra a Severino) ou unanimidade (Ficha Limpa), tais leis são iniciativas que buscam ampliar o controle público sobre os políticos.
Ambas refletem a constatação que a forte assimetria entre representados e representantes confere forte viés a favor dos segundos. E que os remédios institucionais existentes são inócuos após as eleições devido às imunidades parlamentares e à debilidade dos mecanismos de autocontrole do Legislativo.
Os custos gerados pelo descontrole em relação aos parceiros “aloprados” da coalizão governativa também pesaram no caso brasileiro. Por isso, Lula e Dilma apoiaram a Ficha Limpa e a Lei de Transparência. Daí o amplo consenso.
Governos não cometem suicídio. No máximo, subestimam os riscos que correm.
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Marcus André Melo é professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco e doutor pela Sussex University.
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