- Valor Econômico
Discurso é para casamento de jacaré com cobra d'água
Em quem você vai votar pra presidente? Questionados assim, na bucha, sete em cada dez brasileiros, dizem que não sabem ou que não vão votar. Outros dois vão se dividir entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. O que resta está pulverizado. Este é o voto que gente de pesquisa de opinião chama de espontâneo. A essa altura, sem campanha formal na rua, é o dado mais valioso de uma pesquisa porque traduz o voto, de fato, consolidado. Lula vem caindo no quesito e Bolsonaro, crescendo. A única novidade do último Datafolha é que o deputado do PSL, pela primeira vez, ultrapassa Lula, ainda na margem de erro. Entre os votos espontâneos, tem 12%, dois pontos percentuais a mais que o petista. Os alheios somam 69%. Dez pontos pingam nos demais candidatos.
O avanço tira a eleição de Bolsonaro do reino da fantasia. Como o Brasil não imprime dólar, não haverá com quem dividir a conta do espetáculo. Quem preferir esquecer o que ele fez nos verões passados, a temporada que agora se inicia é farta em evidências de que o tempo ameaça fechar. Compõe a trilha sonora perfeita para o casamento de jacaré com cobra d'água não fosse o discurso de um candidato a presidente da República que nada de braçada.
Na primeira das sabatinas, durante da Marcha dos Prefeitos, foi perguntado o que faria para lidar com o déficit de saneamento no país. Valeu-se do economista Paulo Guedes para desintermediar os recursos até chegar no que lhe pareceu ser o coração de seu raciocínio. "Não estou autorizado a dizer isso", afirmou, sem explicar a quem está subordinado, "mas gostaria que o Brasil tivesse um programa de planejamento familiar. Um homem ou uma mulher com educação dificilmente vai querer ter um filho a mais para engordar o programa social dele".
Dito assim, parece que o candidato pretende enfiar os filhos dos pobres esgoto abaixo. Mas não é nada disso. Para ele, "está tudo interligado". Se resolver saneamento, menos gente vai ficar doente e aí vai sobrar dinheiro para a segurança. Simples assim. Com ele não vai ter esse negócio de distribuir diretoria de ministério. Se não for assim o ministro dos Transportes não vai ter dinheiro pra fazer estrada.
"O Brasil está fadado ao fracasso. Roraima é o pedaço mais rico do mundo, condenado por problema indígena e ambiental", disse Bolsonaro em seu interligado raciocínio. A esta altura, uma plateia atônita sem saber onde tinha ido parar o esgoto, ouviu sua conclusão: o Ministério Público também tem seus problemas. Presidente, governador ou prefeito não podem ficar preocupados em responder por improbidade administrativa. "Afinal, a emenda 81 relativizou a propriedade privada".
As frases, com frequência, terminam naquele desabafo que pede um palavrão no final: "Me chame de corrupto, p...". A saída, de fato, parece estar na educação. E eis que surge a oportunidade para o deputado exibir suas ideias no tema. Qual é a função da educação? "Atender a economia". Quantos ali naquela plateia já não haviam recebido pedidos de emprego de pessoas sem qualificação? Pois é, a solução são as escolas que a polícia militar encampou no Amazonas, Goiás e Roraima. É hierarquia e disciplina o que falta.
O Brasil não vai dar certo enquanto os gestores apenas pedirem recursos. Não pode apenas importar commodities, tem que agregar valor. Não pode fazer comércio ideológico, tem que se abrir para o mundo todo, especialmente para Israel, país que está no topo das citações de seu discurso. Lá tem solução pra tudo. Pena que o governo passado demorou um ano e não recebeu as credenciais do seu embaixador. Os problemas, para quem havia esquecido, estão interligados. "Se é para mentir não me elegerei", diz. Está otimista. O Brasil está que nem seu tio que casou com uma viúva de sete filhos e até hoje não saiu de lua-de-mel. As palmas, esparsas, ainda resistem.
Ele adverte que não teve acesso prévio às perguntas. E parece sincero. "O que fazer para que os gastos com a saúde não recaiam sobre os municípios?", conclui a longa questão que corre numa tela. "Não tem pergunta fácil. Sem querer dar uma daquela presidente do passado, a vida é uma só. Com gestão dá para mudar". A plateia ensaia vaias, mas o legendário presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, pede respeito. "Não sou melhor que os outros. A questão é gravíssima. Países de carga tributária mais alta também são aqueles que menos oferecem serviço adequado na ponta da linha. Não pode amputar o dedo e deixar o corpo".
O que fazer para melhor distribuir o bolo tributário? Aumentar imposto não dá. É um admirador da política americana em que tudo melhorou depois que baixaram os impostos. "Dá pra fazer igual. Sem segurança não tem economia. Temos que mudar a legislação para que tenhamos paz em casa. Dar posse de arma de fogo a quem por ventura queira. Ninguém vai comprar uma arma para fazer o que não deve".
Duas semanas depois, também em Brasília, Bolsonaro compareceu a outra sabatina, do sindicato dos auditores da Receita. Deu outro show: "A universidade no Brasil hoje só forma militante. A melhor do país hoje é o Mackenzie. Com um diploma técnico é possível ganhar R$ 10 mil consertando geladeira e máquina de lavar roupa". Como resolver o problema das fronteiras sem inteligência? "O problema é a portaria que proibiu tiro de advertência na fronteira e abordar apontando arma". O que fazer para reduzir o ódio na sociedade? "Temos que ter liberdade total. Não vejo problema de ódio na sociedade. No meu tempo de moleque chamar de gordinho ou quatro olho não tinha problema". E a Previdência? "Não dá para fazer remendo novo em calça velha". Refis? "Não sei como resolver. Quem souber, agradeço". Vai corrigir a tabela do Imposto de Renda e tributar o empresário que não paga imposto sobre lucro? "Você está encurralado, tem pouca munição mas sabe que o inimigo está ali. Você atira porque já perdeu mesmo. Se ele estiver ali ganha a guerra".
Indagado sobre seu compromisso em atender as reivindicações desse Brasil interligado, Bolsonaro disse que sua tarefa é desburocratizar, desregulamentar e dividir as responsabilidades de maneira que o dinheiro chegue mais rapidamente à ponta e ele, ao conquistar a Presidência, possa passar o sábado e o domingo na praia. É pouco. O eleitor tem menos de quatro meses para refletir se o deputado não merece férias mais longas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário