- Folha de S. Paulo
É preciso reafirmar diálogo e tolerância na política
A greve dos caminhoneiros gerou uma crise sem precedentes no país, extrapolando as questões específicas do movimento para atingir não apenas o abastecimento de combustível, mas a vida econômica, social e política das pessoas.
Em um momento em que o desemprego cresce, a economia não se recupera de acordo com as expectativas, os níveis de violência aumentam e a descrença nos políticos permanece alta, as demandas por opções autoritárias se confundem com iniciativas erráticas e desordenadas por diferentes grupos da sociedade.
Essa crise parece se conectar com os movimentos de junho de 2013, nos quais as pautas por serviços públicos de qualidade, especialmente em educação, saúde e transportes, acabaram não sendo ouvidas por nossos governantes.
A partir desse movimento, grupos de diferentes matrizes ideológicas retomaram o espaço público como local de manifestações políticas, tanto conservadoras como progressistas, gerando uma acirrada luta por posicionamentos que desaguaram no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e em uma sociedade cindida. Nas redes sociais, ódios, ressentimentos e frustrações dominam e geram a falta de diálogo, de escuta e de respeito.
Ao mesmo tempo, a sociedade brasileira mudou bastante nos últimos 20 anos, ao começar a enfrentar questões como o racismo e se movimentar diante de uma visão de que já temos uma democracia racial estabelecida e de que somos um povo pacífico e cordial.
Demos alguns passos nesse sentido com a política de cotas, e os diferentes incentivos promoveram o acesso a cursos de ensino superior a um número expressivo de jovens oriundos de famílias pobres e negras, promovendo a oportunidade de participação e a representação em diferentes espaços da sociedade. As redes sociais promoveram o encontro entre diferentes vozes, pensamentos e construções antes desconhecidos para alguns, vindos, muitas vezes, das favelas e periferias. Ainda há muito a ser feito.
Diante de um país mais amadurecido, mas em crise, estamos numa encruzilhada em que precisamos assumir o protagonismo. As respostas não serão apresentadas apenas pelos governos, que, sem dúvida, têm um papel fundamental na implementação de políticas públicas.
Empresas, organizações da sociedade civil, cidadãos, organizações religiosas e políticas são essenciais na construção de um novo momento.
Na busca desse protagonismo, situa-se o Pacto pela Democracia, assinado por mais de 60 organizações da sociedade civil que, para além de suas diferenças, compartilham o desafio de avançar como uma sociedade plural, reafirmando o compromisso com as regras democráticas, com os valores e fundamentos expressos na Constituição Federal.
O Pacto pela Democracia é um chamado para todos aqueles que se comprometem a: 1) reafirmar o diálogo, a tolerância e o repúdio pleno a todas as formas de discriminação e violência na ação política; 2) produzir eleições limpas, diversas e com ampla participação em outubro, refazendo as bases de confiança e legitimidade no ambiente político; e 3) realizar uma ampla reforma política depois das eleições, abrindo o caminho para sair da crise melhor do que se estava antes, no rumo reafirmado da construção do país de que precisamos.
O momento é de gravidade extrema. Acreditamos que a maioria das pessoas e organizações não compactue com as visões extremadas, segregacionistas e antidemocráticas, mas nesse momento talvez se cale por não visualizar um caminho ou uma opção confiável.
Nosso chamamento é de ação para defesa de uma democracia vibrante, plural, livre e solidária, com a igualdade de direitos e de oportunidades para todos, na qual sejam reconhecidos o valor e a força da nossa diversidade e superadas por inteiro todas as formas de discriminação, violência e autoritarismo.
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Maria Alice Setubal, socióloga, educadora, doutora em psicologia da educação e presidente dos conselhos da Fundação Tide Setubal e do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas)
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