- Folha de S. Paulo
Meio poético, pensador ligado a Ciro precisa de coautor que escreva em prosa
Nesses anos todos de participação na vida política nacional, Roberto Mangabeira Unger ainda não mostrou para o público brasileiro o que Harvard viu nele. Apoiou o Ciro, rompeu com o Ciro, fez oposição radical ao Lula, virou ministro do Lula, voltou para o Ciro, e, nessa confusão toda, ninguém entendeu exatamente o que ele quer da vida.
É uma pena, porque Unger é um pensador bastante original e interessante, respeitado por pensadores do porte do filósofo Richard Rorty, do historiador Perry Anderson, do economista Dani Rodrik. Se você não lê a Ilustríssima (por que não, ô?) talvez não saiba quem são esses sujeitos, mas garanto que é gente bem inteligente.
A utopia de Unger é a seguinte: um sistema econômico de mercado em que o governo atue muito pesadamente para que todo mundo seja capaz de se mover entre as condições de assalariado qualificado, profissional independente e associado em cooperativas de gente igualmente qualificada.
Parece uma utopia liberal, mas Unger acredita que isso só será possível se o Estado for muito atuante na economia: mexendo na política educacional, na oferta de crédito, na alteração da lei dos contratos, no fornecimento da rede de segurança para quem se der mal no mercado.
O Estado que faria isso tudo também seria diferente. Unger quer uma democracia de alta intensidade, com plebiscitos, referendos, participação da população na gestão dos fundos públicos.
O dinheiro da previdência seria aplicado em investimentos produtivos, e parte dele seria usado em fundos de venture capital, como aqueles que financiam o Vale do Silício. Notem que isso implica arriscar parte do dinheiro da sua aposentadoria em investimentos de alto risco, mas a ideia é essa mesmo: Unger não é um social-democrata, não está vendendo proteção contra a instabilidade do mercado. Seu programa é abraçar a instabilidade, envolver todo mundo na gestão da instabilidade, e seja lá o que Deus quiser.
Parece bacana, mas é um programa ousado demais para ser aceito sem que se conheça seus detalhes. O que seriam esses programas estatais de capacitação, o que aconteceria com o sujeito que perdesse a aposentadoria porque o governo investiu a grana numa startup que faliu, de que forma se daria o controle democrático dos fundos públicos?
Unger não oferece ao leitor esse tipo de detalhe técnico. Seu estilo é meio poético, meio profético. Faltam notas de rodapé com as indicações de casos em que suas propostas já tenham dado certo, ou de autores que explicitem os aspectos técnicos de cada medida. Unger precisa urgentemente de um coautor que escreva em prosa.
E essa falta de atenção ao detalhe é especialmente ruim para a discussão brasileira. A filosofia de Unger parece especialmente apropriada para sociedades em que as instituições são rígidas demais, em que falta plasticidade, flexibilidade. Mas muitos problemas brasileiros são sintomas de precariedade, não de rigidez.
As finanças públicas brasileiras, por exemplo, são tão frágeis que podem quebrar se quisermos manuseá-las muito rispidamente. Os brasileiros pobres talvez estejam próximos demais da miséria para aceitar os riscos que o projeto de Unger oferece.
Mas talvez as ideias de Roberto Mangabeira Unger ainda venham a ser úteis para o Brasil quando se miscigenarem com alguma coisa mais pé no chão.
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Celso Rocha de Barros doutor em sociologia pela Universidade de Oxford
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