segunda-feira, 2 de julho de 2018

O mérito em questão: Editorial | O Globo

A melhor ação afirmativa é uma educação pública de alta qualidade

A proposta de renovação das cotas raciais em universidades estaduais fluminenses, por mais dez anos, era esperada. Este é um tipo de benefício que, mesmo com prazo de validade, nunca é revogado, porque nenhum político, com raras exceções, irá contra essas ações. Mesmo que a avaliação das cotas fosse negativa. A questão é saber que tipo de balanço deve ser feito delas.

Um dos aspectos a averiguar é o do rendimento dos cotistas. As pesquisas disponíveis são positivas, porque concluem que não haveria diferenças entre o rendimento de cotistas e não cotistas.

Abre parêntese: o comentário a fazer sobre essas pesquisas é que, se não importa se o vestibulando entrou na faculdade ajudado por ações afirmativas como as cotas, porque ele terá o mesmo rendimento que os demais estudantes, talvez devesse o país criar uma multiplicidade de novas portas de entrada no ensino superior, à margem do vestibular ou Enem. Afinal, garantem as pesquisas, não há maiores diferenças no aprendizado dos alunos. Fecha parêntese.

Não se pode desconhecer os desníveis de renda e de qualidade de vida entre brasileiros. E, sem dúvida, a educação é o melhor caminho para a ascensão social. Também é indiscutível que, por não ter havido políticas compensatórias para integrar a população de libertos da escravidão à sociedade, incluindo a educação, há mais negros entre os pobres, nos bairros periféricos, em favelas etc.

São, por decorrência, as maiores vítimas da violência. Mas não por serem negros, mas por serem pobres. Não se nega que exista racismo no país. Mas é um equívoco de militantes desconhecer a formação miscigenada da sociedade brasileira, o que se reflete num convívio no país sem as tensões existentes em outras sociedades. Este é um patrimônio nacional que deixa marcas na produção cultural brasileira, e que precisa ser defendido, protegido. A questão das cotas raciais é inevitavelmente contaminada pela sua origem: os Estados Unidos, cuja sociedade tem uma de suas fundações assentada na ideia nada científica de “raça”. Muito diferente do Brasil e sua formação.

E, ao importar esta política, veio junto o sentido do racismo, algo infelizmente inexorável. Não se podem dissociar das cotas conflitos ocorridos no meio universitário.

Mas não se devem rejeitar “ações afirmativas”, iniciativas destinadas a corrigir distorções geradas pelas disparidades que tem a sociedade. E na brasileira há muitas.

O conceito geral deve ser que o futuro das pessoas não pode ser definido pelo seu passado. Ou seja, o destino de qualquer criança não pode ser estabelecido, por exemplo, pelo nível de renda dos pais. Todos merecem ter condições equivalentes para entrar no mercado de trabalho. É por isso que a melhor ação afirmativa é uma educação pública de alta qualidade. Sem discriminar brancos ou negros, quem mais for.

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