O governo americano imporá tarifas de 25% a 818 produtos provenientes da China a partir de amanhã, em um alvo de US$ 34 bilhões em mercadorias. Pequim revidará na mesma medida e na mesma hora. É a primeira vez desde a ascensão da China a potência econômica mundial que o país é alvo de uma retaliação comercial massiva e, o que é pior, proveniente da maior economia mundial. O início de uma guerra comercial e o som e a fúria das novas ameaças feitas na Casa Branca deixaram os mercados intranquilos, desvalorizou a moeda chinesa, depois que as demais emergentes perderam valor há semanas, sacudiu as cotações de várias commodities e causa danos nos mercados acionários ao redor do mundo.
O início das retaliações é menos preocupante em si - o valor das mercadorias cujas tarifas foram elevadas equivale a um mês de exportações chinesas - do que a progressiva escalada de Trump, que dá sinais cada vez mais evidentes de que, desta vez, não irá se restringir a palavras. Em mais um golpe desferido na China, os EUA negaram autorização para que a estatal China Mobile possa oferecer serviços de telecomunicações a partir dos EUA para os mercados externos. A justificativa para o ato é explícita ao citar que os serviços de inteligência chineses, via China Mobile, poderão coletar informações estratégicas ao operar no mercado e pôr a segurança nacional em risco.
Os EUA conduzem outra investigação a toque de caixa e que terminará logo, sobre supostas ameaças à segurança nacional da importação de carros. Nesse caso, os EUA não abririam fogo apenas contra a China, mas contra seus aliados da União Europeia, Japão e parceiros do Nafta (México e Canadá), em uma batalha que envolveria medidas e contramedidas envolvendo bem mais de US$ 300 bilhões. Só os EUA importam US$ 334,8 bilhões em carros e autopeças (Financial Times). Desse total US$ 61 bilhões são enviados pela UE e US$ 158 bilhões pelos países do Nafta.
A conta dos danos ao comércio ganha proporções importantes se Trump cumprir a promessa de ampliar a retaliação à China, caso ela imponha amanhã as tarifas que prometeu, em resposta aos EUA. A rigor, o presidente americano disse que o total das exportações chinesas aos EUA poderiam ser alvo de tarifas - US$ 505 bilhões. Se tudo se concretizar, cerca de US$ 1 trilhão dos US$ 3,9 trilhões do comércio internacional (2017) seriam objeto de proteções tarifárias maiores em todo o mundo, ou cerca de 25%.
O desafio lançado unilateral e desorganizadamente por Trump tem potencial para arruinar a Organização Mundial do Comércio e danificar a economia chinesa, embora moderadamente, se se restringir ao comércio de mercadorias. O superávit em conta corrente chinês é hoje de apenas 1,3% do PIB. O PIB chinês é movido a investimentos e consumo e há dúvidas se ambos não estão agora desacelerando, especialmente por motivos domésticos. Parece difícil que a economia deixe de crescer pelo menos 6,5% em 2018, mas a ofensiva de Trump pega o governo chinês em meio a um aperto de liquidez para conter o crédito que terá de ser interrompido.
Os créditos fornecidos pelo sistema paralelo, que nos 12 meses encerrados em maio de 2017 cresciam a um ritmo de 56%, tiveram contração de 81% agora em maio, segundo o banco Haitong (FT). O crédito geral, que avançou 30% até maio de 2017, diminuiu para 22% agora.
As armas que a China possui têm suas contraindicações. A guerra comercial jogou o dólar para cima e o renmimbi perdeu 3% apenas em junho, a maior queda até hoje em um só mês, enquanto que a bolsa de Xangai perdeu mais de 20% desde o pico atingido em janeiro. O Banco Central chinês não pretende repetir erros do passado recente, quando para defender a moeda perdeu US$ 1 trilhão em reservas. Mas a depreciação cambial é uma defesa natural, que, aliada a uma política monetária afrouxada, empurrará mais uma vez para frente o ajuste dos desequilíbrios evidentes da economia chinesa.
Como os EUA exportam US$ 130 bilhões para a China, Pequim terá de lançar mão de outros expedientes para reagir a novas investidas de Trump, e alvejar com expedientes não tarifários as companhias americanas que operam no país. Seria dar um tiro no próprio pé, mas talvez inescapável se a ofensiva americana ganhar intensidade. Os riscos de uma reação turbulenta dos mercados financeiros, que piorem os efeitos econômicos do entrincheiramento tarifário progressivo, são crescentes e podem desacelerar a economia global.
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