quinta-feira, 5 de julho de 2018

Ribamar Oliveira: Solução das 'pedaladas' agravou a recessão

- Valor Econômico

Estudo avalia efeitos da regularização das despesas escondidas

Um estudo, recentemente concluído, sustenta que o reconhecimento e a regularização em 2015 das despesas públicas que não tinham sido contabilizadas anteriormente - as famosas "pedaladas fiscais" do governo da ex-presidente Dilma Rousseff - agravaram a recessão da economia brasileira, que teve início no segundo trimestre de 2014. Pela primeira vez, economistas procuraram dimensionar os efeitos macroeconômicos de todo esse processo que, no campo político, terminou com o impeachment da ex-presidente.

A tese central defendida pelos autores é que a gradual explicitação da existência e a magnitude dos passivos fiscais, que foram escondidos pela "contabilidade criativa", teriam provocado uma série de choques nos agentes privados (chamados de "choques informacionais" no estudo) ao longo de 2015. Os choques aumentaram a percepção de risco em relação à sustentabilidade da dívida pública brasileira.

Com isso, os agentes privados passaram a esperar um ajuste fiscal mais profundo do que o antecipado anteriormente pelo governo para a estabilização das contas públicas. Diante da nova realidade e da implementação do programa de ajuste, eles teriam sido levados a rever suas decisões, reduzindo consumo, poupança, investimentos e a produção.

A principal hipótese do estudo, que será publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), como texto para discussão, é que, até o final de 2014, os agentes privados não conheciam a real situação das finanças públicas do país. E que, a partir do último trimestre daquele ano, eles tiveram sucessivas "surpresas" com os dados cada vez mais preocupantes sobre o "buraco" nas contas públicas.

Naquela época, é bom relembrar, a explicitação dos passivos foi sendo feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU), com o governo evitando se pronunciar com clareza sobre o assunto. Com base nas novas informações que iam surgindo, os agentes passaram a refazer suas contas sobre o tamanho da despesa para 2015, sobre o superávit primário necessário para a estabilização das contas e o impacto de tudo isso na dívida pública.

A hipótese dos economistas Marco Antônio Cavalcanti, Luciano Vereda, Rafael Zanderer e Matheus Rabelo, autores do trabalho, está baseada na leitura de documentos, relatórios e jornais da época, e na estimativa da evolução da despesa primária do setor público, no período de outubro de 2014 a dezembro de 2015, esperada pelos agentes privados no período.

A despesa esperada pelo mercado aumentou, no período analisado, entre R$ 109 bilhões e R$ 139 bilhões, ou seja, entre 1,8% do PIB a 2,3% do PIB. Os autores identificam o primeiro "choque informacional" no primeiro trimestre de 2015. Os dois outros choques ocorrem no terceiro e quarto trimestre daquele ano.

A conclusão do estudo é que os choques de regularização das despesas públicas não contabilizadas exerceram efeitos significativos sobre a economia brasileira, com queda do produto e aumento da inflação. A análise dos impactos macroeconômicos da explicitação e regularização, ao longo de 2015, das despesas públicas não contabilizadas no passado foi feita a partir de um modelo dinâmico estocástico de equilíbrio geral (dynamic stochastic general equilibrium - DSGE).

Os choques atuaram sobre a economia por meio de dois canais de transmissão, segundo o estudo. Em primeiro lugar, a política fiscal contracionista, requerida para reequilibrar as contas, contribuiu para reduzir a demanda agregada e o nível de atividade, aumentando, ao mesmo tempo, os custos de produção e, por conseguinte, a inflação.

Depois, a deterioração dos indicadores fiscais aumentou a percepção de risco dos agentes privados internos e externos em relação à sustentabilidade da dívida pública, levando à elevação do risco-país, à desvalorização da taxa de câmbio e ao aumento da inflação. Como observa o estudo, isso exigiu um aperto monetário, que levou à redução dos níveis de consumo privado e de produção e, indiretamente, reforçou a trajetória de alta da dívida pública por meio da elevação dos gastos com o serviço da dívida. O que, por sua vez, provocou o aumento do esforço fiscal requerido para equilibrar as contas públicas.

O estudo dos economistas procurou também avaliar o custo das alternativas que existiam ao ajuste fiscal executado em 2015, que se baseou em redução dos gastos do governo (investimento, principalmente) e na elevação de impostos.

A conclusão a que eles chegaram foi que a alternativa com menos custo para o produto e para a inflação teria sido a de redução do emprego público (diminuição da quantidade de funcionários) e o aumento do imposto de renda. Em conversa com o Valor, o economista Marco Antonio Cavalcanti, que é técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas (Dimac) do Ipea, disse que o estudo não analisou a viabilidade política e legal da alternativa que resultaria em menor impacto negativo sobre o PIB. Segundo ele, este foi apenas um exercício teórico, pois, provavelmente, uma redução do emprego público na dimensão necessária não teria sido politicamente viável.

Os economistas avaliaram ainda uma alternativa de ajuste mais brando no curto prazo, adiando para o governo seguinte a parte mais dura. Neste caso, eles concluíram que a perda de produto teria sido ainda maior. "Ao responder aos choques com menor intensidade no curto prazo, as autoridades fiscais permitem aumento mais forte da dívida pública, o que, de um lado, gera aumento mais pronunciado do risco-país no curto prazo, maior inflação e, consequentemente, maior aperto monetário; e, de outro, acaba exigindo um aperto fiscal mais forte e duradouro no médio e longo prazos", diz o texto.

O estudo - cujo nome é "Impactos Macroeconômicos do Choque Fiscal de 2015: a Regularização de Despesas Públicas não Contabilizadas" - mostra que ao esconder as despesas que realizou, por meio da "contabilidade criativa", o governo da ex-presidente Dilma adiou os custos de suas ações, que terminaram sendo pagos na forma de uma recessão econômica mais intensa.

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