O susto é geral
As pesquisas, que mostram a liderança de Lula e Bolsonaro, assustam quase todos os segmentos do eleitorado e derrubam teses a respeito dos rumos da disputa
Por Edoardo Ghirotto e Daniel Pereira | Revista Veja
Os resultados das últimas pesquisas eleitorais — as primeiras feitas depois do início dos debates de candidatos na TV — conseguiram a façanha de produzir uma sucessão de sustos. Os levantamentos dos institutos Ibope e Datafolha, feitos entre os dias 17 e 21, apontaram o crescimento ininterrupto de um candidato preso, o fortalecimento de um radical de direita e a inércia perene dos concorrentes situados mais ao centro do leque ideológico. As três variáveis juntas fizeram com que antipetistas se assombrassem diante da possibilidade de o ex-presidente Lula eleger um novo poste; democratas estremecessem ao constatar que Jair Bolsonaro (PSL) hoje tem lugar garantido no segundo turno; e o mercado financeiro se dissolvesse em medo ao ver o tucano Geraldo Alckmin, o preferido do setor, outra vez emperrado na casa de um dígito, ainda que agora disponha da mais ampla aliança partidária do pleito. Só quem viu motivo para otimismo, e mesmo assim com ressalvas, foram os eleitores de Lula.
O candidato-presidiário, além de liderar o primeiro turno com 39% das intenções de voto, venceria Marina Silva (Rede), Alckmin e Bolsonaro na segunda rodada — em todos os casos, por uma diferença de pelo menos 20 pontos porcentuais. Os quase cinco meses de prisão de Lula, portanto, não resultaram na perda de apoio ao petista. Ao contrário. E essa é uma das três teses correntes que as últimas pesquisas jogaram por terra. Até há bem pouco tempo, analistas afirmavam que, atrás das grades, Lula seria rapidamente esquecido pelo seu eleitorado, abrindo alas para o crescimento de Ciro Gomes ou Marina Silva. As coisas não transcorreram bem assim. Para o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, a maior exposição do petista depois da Copa do Mundo ajuda a explicar seu crescimento. Eventos, marchas a Brasília e o pedido de registro de uma candidatura que sabidamente não será oficializada fomentaram a fantasia de que Lula disputará a Presidência e, ao mesmo tempo, impediram a dispersão de seu eleitorado. Na guerra da comunicação, o PT conseguiu manter o ex--presidente em evidência.
O segundo mito derrubado pelos últimos levantamentos diz respeito a Bolsonaro. Do deputado federal e capitão da reserva, afirmava-se que repetiria a trajetória de candidatos que começam com bom desempenho nas pesquisas pré-¬campanha mas se desidratam tão logo seus concorrentes põem o pé na estrada. Bolsonaro continua firme, porém exibiu uma fraqueza. Depois de, no debate da RedeTV!, levar uma invertida de Marina Silva, que o acusou de querer resolver tudo “no grito”, Bolsonaro decidiu não participar mais dos debates. Do seu ponto de vista, é uma decisão sábia. Os debates estavam revelando seu alarmante despreparo. Em alguns casos, ele nem sequer entendia as perguntas e respondia a elas enfileirando os bordões de sempre.
Mesmo assim, com sua fidelíssima fatia de um quinto do eleitorado, Bolsonaro parece ter garantido presença no segundo turno, o que põe em xeque outra tese recorrente entre observadores da política: a de que, da mesma forma que ocorreu nas últimas seis eleições presidenciais, petistas e tucanos encabeçariam a disputa em 2018.
Os entusiastas dessa tese partem do princípio de que a base do eleitorado é racional e, quando chegar à urna, optará por um nome já testado — o que favoreceria o poste de Lula e também Geraldo Alckmin, governador de São Paulo por treze anos. O economista Anthony Downs, do Instituto Brookings, de Washington, desenvolveu a chamada “teoria econômica da democracia”, em que defende a ideia de que a massa do eleitorado é racional porque vota de maneira autointeressada, privilegiando a satisfação de objetivos individuais. Esse raciocínio tende a se traduzir na manutenção de candidatos que já tenham comprovadamente favorecido o eleitor. Mas as pesquisas de Downs, feitas nos anos 1950, não levaram em conta variáveis contemporâneas, como a influência da internet e das redes sociais, a crise de representatividade que domina a política e a insatisfação dos indivíduos com as democracias no mundo. Sob esses três novos aspectos ainda pouco estudados, Bolsonaro, que nunca foi testado, leva vantagem.
Amparado em experiências do passado que ninguém ainda sabe se funcionarão no presente, Alckmin tem repetido que as campanhas eleitorais só decolarão dez dias depois da estreia das propagandas na TV, o que acontece nesta sexta-feira, 31 de agosto. Nesse campo, o tucano tem ampla vantagem sobre os concorrentes. Dispõe da metade do tempo concedido a todos os partidos, graças à aliança com as cinco legendas do Centrão. Representantes do mercado financeiro, boa parte do qual se identifica com o tucano, parecem cada vez mais céticos sobre sua viabilidade eleitoral. Prova disso foi a recente disparada do dólar, que bateu em 4,12 reais no último dia 23, refletindo o temor de um segundo turno entre o petista Fernando Haddad e Bolsonaro. “Alckmin nunca foi favorito para ganhar esta eleição, e agora o mercado está começando a se dar conta disso. É possível que ele vença, mas, num contexto de tanta indisposição com a classe política, seu perfil não está alinhado com a demanda do eleitor”, afirma Silvio Cascione, analista da Eurasia.
Quanto aos petistas, o entusiasmo diante dos números ostentados por Lula pode durar pouco. Permanece uma incógnita se o ex-presidente será capaz de transferir votos para Haddad. Oficialmente vice de Lula, o ex-prefeito de São Paulo tem apenas 4% nas pesquisas, enquanto Marina e Ciro aparecem como os principais herdeiros do espólio eleitoral lulista. Marina dobra de 8% para 16%. Ciro, de 5% para 10%. Para o PT, a debilidade de Haddad é momentânea e decorre do fato de ele não ser conhecido. Na Região Nordeste, por exemplo, 51% dizem não conhecê-¬lo. Os petistas apostam que, quando Lula o apoiar abertamente, Haddad atingirá a casa dos dois dígitos e conquistará vaga no segundo turno. De acordo com o Datafolha, 31% dos entrevistados disseram que certamente votariam num candidato indicado por Lula e 18% afirmaram que talvez o fizessem. Contra o otimismo petista, há o fato de que, com duração de apenas 45 dias, esta será a campanha mais curta da história das eleições. E, com Lula ainda sentado na cabeça de chapa de seu partido, o tempo será mais curto para o PT do que para os outros.
O futuro de Lula caberá ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A ideia dos ministros era julgar o pedido de registro de sua candidatura até 31 de agosto, quando começa a propaganda eleitoral, mas o mais provável é que a decisão seja tomada na primeira semana de setembro. A tendência é que Lula perca por 7 votos a zero no tribunal. Ainda que a decisão seja unânime, o ex-¬presidente terá três dias para apresentar recurso dentro do próprio tribunal. Como os mesmos ministros que julgam o pedido de registro analisarão o recurso, a derrota do petista é, de novo, uma certeza. Enquanto o caso estiver tramitando no TSE, no entanto, Lula poderá até aparecer nos primeiros dias da propaganda como candidato à Presidência.
Quando o processo finalmente tiver sido concluído no TSE, a defesa do petista deverá levar a discussão ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mais uma vez, a jogada servirá apenas para manter o nome de Lula em evidência, já que o STF tem posição consolidada pela proibição de candidaturas de condenados por órgãos colegiados da Justiça. “A Lei da Ficha Limpa aplicada em casos de condenação em segundo grau foi confirmada várias vezes no STF. Rediscutir isso agora não faz sentido”, diz o ministro Gilmar Mendes, do STF. A defesa de Lula também poderá apelar ao STF e ao Superior Tribunal de Justiça pedindo a suspensão de sua condenação na Lava-Jato. A obtenção de uma liminar favorável autorizaria o petista a disputar a eleição. A possibilidade de isso acontecer, porém, é considerada remota por ministros ouvidos por VEJA.
Mas isso é detalhe. O objetivo final dos petistas é conseguir arrastar o julgamento até 17 de setembro, data fatídica a partir da qual não haveria mais tempo para retirar a fotografia do ex-presidente da urna eletrônica. Nesse caso, muitos brasileiros apertariam o botão pensando que estão votando em Lula, quando na verdade estariam escolhendo Haddad. É mais um detalhe estapafúrdio da eleição presidencial mais confusa, incerta e assustadora desde a redemocratização do país.
Há pelo menos seis meses qualquer um que queira se aproximar de Jair Bolsonaro tem, necessariamente, de passar pelo controle do advogado Gustavo Bebianno Rocha. Botafoguense fanático e faixa-preta em jiu-jítsu, ele é o responsável por administrar a agenda, os encontros e — mais importante — os movimentos políticos do presidenciável. Tamanha proximidade tem causado ruído no entorno do candidato: seus três filhos políticos e os assessores de longa data foram rebaixados na hierarquia do capitão para que Bebianno ascendesse.
Os casos mais recentes envolvem Eduardo Bolsonaro, deputado federal como o pai: há cerca de um mês, o parlamentar fez uma postagem nas redes sociais desferindo críticas a um correligionário próximo de Bebianno. O advogado queixou-se a Bolsonaro, que obrigou o filho a apagar a publicação. Eduardo também teve de cancelar um evento que organizara para reunir políticos conservadores da América Latina — espécie de antítese do Foro de São Paulo — porque Bebianno convenceu seu pai de que comparecer ao compromisso poderia configurar propaganda antecipada de campanha. A ida de Bolsonaro ao PSL também foi obra do advogado, e ocorreu à revelia dos filhos Flávio e Carlos, que preferiam o Patriota. Adilson Barroso, presidente do Patriota, chegou a oferecer seu cargo a Flávio, deputado estadual, além de deixar à disposição do clã quase todos os diretórios do partido. Só que, em paralelo, Bebianno, juntamente com o deputado federal Fernando Francischini, costurava um acordo para que o PSL fosse a legenda escolhida. Venceu a queda de braço e, como recompensa, tornou-se ele próprio presidente em exercício do partido.
À medida que Bebianno ganha a confiança de Bolsonaro, assessores de longa data perdem espaço — o que inclui até o próprio Francischini. Um dos primeiros a apoiar o capitão, quando ele ainda era visto apenas como uma figura folclórica do baixo clero, o deputado foi escanteado e não participa das decisões centrais de campanha como antes.
Em 2017, Bebianno foi apresentado a Bolsonaro por um amigo em comum — o engenheiro-agrônomo Carlos Favoreto, dono da consultoria ECP Environmental Solutions, e hoje condenado em segunda instância por corromper agentes do Ibama. Favoreto sugeriu a Bebianno que auxiliasse o presidenciável em processos contra ele, como a ação na qual é réu por injúria e incitação ao estupro contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS). Bebianno, que já conhecia Bolsonaro das redes sociais, ansiava aproximar-se dele por simpatizar com suas ideias.
Bebianno trabalhou por mais de dez anos no escritório de advocacia Sergio Bermudes, no Rio, onde chegou a sócio mesmo sem nunca ter atuado em um grande contencioso. Sob sua responsabilidade, estavam pequenas causas coletivas que tinham como alvo grandes empresas, sobretudo seguradoras. Deixou o Bermudes em 2012 e manteve-se em carreira-solo até se tornar o que é hoje: o guardião das chaves da catraca que dá acesso a Bolsonaro.
Com reportagem de Laryssa Borges
Publicado em VEJA de 29 de agosto de 2018, edição nº 2597
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