- O Estado de S. Paulo
O Brasil não acabará depois das eleições, seja quem for o vencedor do pleito presidencial
O mundo gira e a caravana roda. Com o avançar do calendário eleitoral, a definição dos candidatos, de suas coligações e seus compromissos, com as primeiras pesquisas e os debates iniciais, subiu a temperatura e ingressamos em um tempo de tomadas de posição.
Não há porque temer esse tempo ou fugir dele em nome do candidato ideal ou de uma candidatura única que jamais existiu, que dificilmente poderia existir e que nem sequer deveria ser tida como exigência democrática. Democracia é pluralidade, divergência, choque de opiniões, manifestação de preferências. Numa época de partidos e verdades em crise, pregar a ordem unida é caminhar às cegas, sem poder de convencimento.
Guerras entre candidatos são suicidas, mas não há como contorná-las: lutam pela própria afirmação, não pela afirmação de um campo ou polo. É da lógica da disputa eleitoral. O sangue que escorre dos guerreiros pode mesmo adubar candidaturas autoritárias. Não há como evitar isso, ao menos no primeiro turno. Correr riscos é um dos preços da democracia.
A sabedoria está em minimizar os efeitos, evitar que os choques ultrapassem o razoável, traduzindo-se em agressão e ruptura. Mentiras escabrosas e campanhas negativas de desconstrução são tóxicas, envenenam a democracia. Não se trata somente de cordialidade, mas de bater sem deixar marcas e sem poupar o adversário principal, facilitando-lhe a vida.
Sempre será preciso fazer a análise concreta da situação concreta. A frase é marxista, mas não é preciso ser marxista para aceitá-la: trata-se de um suposto do realismo político e do esforço que se deve fazer para enxergar o todo, com suas determinações, suas possibilidades reais e as relações de força que nele têm lugar. Alcançar uma compreensão abrangente e a mais racional possível é boa norma de conduta na política.
O amplo e heterogêneo campo da democracia no Brasil vive hoje um dilema: é ou não possível trabalhar para que se tenha uma mudança consistente no país, uma mudança que mexa nas estruturas, nos sistemas em geral, nas instituições, nos hábitos políticos? Mudar tornou-se um imperativo, virá mais cedo ou mais tarde, já está vindo sem que percebamos bem, cegos que estamos por disputas e polarizações paralisantes. Não devemos ser maximalistas nem exagerar no argumento. O Brasil não é um doente terminal, não vai acabar nem descarrilhar depois das eleições, seja quem for o o próximo Presidente. Não há porque ficar parado perante o pior inimigo da democracia, nem temer os populistas de plantão. Não haverá salvadores da pátria e todos terão de cooperar entre si, fazer alianças, negociar, assimilar a velha política, pedir sacrifícios à sociedade. Errarão e acertarão, uns mais, outros menos. Perigos e ameaças virão mais de uns do que de outros. Mas a roda continuará a girar.
A exigência cabal de cooperação tem um efeito colateral positivo: faz com que todos tenham de abaixar o topete, moderar suas fantasias, aprender a respeitar os limites, arregimentar as forças que podem garantir que algo seja feito. Impõe a que se privilegiem a articulação e a mediação.
Os candidatos são o que são. Nenhum deles exibe propriamente força. Não dispõem nem de poderio político extraordinário, nem de particular força de persuasão. Cada um tem seu gueto, seu estilo, suas convicções, seu séquito. Todos precisam sair de si, ir além dos muros que os protegem, chegar onde o povo está. Uns acreditam que conseguirão isso com a televisão, outros com as redes. Mas ninguém sabe quão potentes serão esses meios.
Tudo somado, é o que explica o tamanho da indefinição.
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Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política da Unesp
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