Para preservar o SUS sem perspectiva de mais verbas, reformas na gestão serão necessárias
De uma perspectiva otimista, pode-se descrever o Sistema Único de Saúde como um pequeno milagre. O Brasil, afinal, está entre os poucos países de renda média a oferecer cobertura universal no setor.
O SUS inclui ainda um bom programa de imunização, fornecendo todas as vacinas internacionalmente recomendadas, e o maior modelo público de transplantes de órgãos do mundo.
Teve também papel de relevo no enfrentamento da epidemia de Aids, e o país tornou-se um dos primeiros a prover de forma gratuita drogas antirretrovirais.
Não faltam razões para pessimismo, porém. A saúde costuma figurar como principal queixa dos eleitores quanto aos serviços do Estado. Há escassez de médicos e remédios; pacientes morrem à espera de tratamento. Não raro, a primeira providência de uma família que consegue melhorar seu padrão de vida é contratar um plano privado.
Se os dois pontos de vista contemplam elementos verdadeiros, ninguém poderá desconhecer que o sistema enfrenta gargalos que tendem a se agravar nos próximos anos, com a dupla pressão das restrições orçamentárias e do envelhecimento da população.
O principal problema reside no financiamento. Em termos proporcionais, o Brasil gasta 8,9% do Produto Interno Bruto em saúde, patamar semelhante ao de países desenvolvidos. Entretanto a parcela correspondente ao SUS ronda os 3,8% do PIB, abaixo dos padrões internacionais.
Nestes tempos de campanhas eleitorais, convém cultivar o ceticismo diante de promessas de mais dinheiro. Ao longo do próximo quadriênio, União e estados se verão às voltas com o desafio de conter a escalada das despesas previdenciárias, sem o que as demais áreas estarão fadadas a perder verbas.
Os esforços precisam se concentrar, assim, no combate às ineficiências do SUS —muitas delas originadas, aliás, por ingerência política.
Num exemplo, hospitais que atendem a casos de maior complexidade devem contar com 300 a 500 leitos, cobrindo regiões com 200 mil a 250 mil habitantes; o país, porém, está repleto de unidades muito menores, porque sua construção confere prestígio a prefeitos e governadores.
Por vezes, há hospitais em excesso concentrados em municipalidades vizinhas, quando a demanda local seria de apenas um grande centro de referência. São bem-vindas, pois, iniciativas como consórcios ou redes regionais que cubram as necessidades de várias cidades. Inexiste, porém, um plano nacional articulado nesse sentido.
Cumpre também promover inovações administrativas. Uma delas, nem tão nova, consiste em organizar enfim um cadastro nacional eletrônico e compartilhado do histórico dos pacientes.
A medida proporcionaria melhor atendimento a cada cidadão, bem como permitiria padronizar os dados a respeito de incidência de doenças. Apesar de haver atualmente um esforço estatístico razoável, a qualidade das informações ainda é muito desigual.
O cadastro seria instrumento para fortalecer uma frente essencial —os programas de prevenção e cuidado familiares. Quanto mais clara a prioridade à atenção primária, menor a necessidade de especialistas e exames dispendiosos.
O emprego dos serviços de organizações sociais é uma opção a ser explorada, por permitir gestão mais dinâmica e menos burocrática, em particular para contratação e dispensa de pessoal.
Merece análise e experimento, além disso, a ideia de mudar o mecanismo de remuneração dos hospitais.
Hoje, eles recebem por procedimentos realizados, de modo que, quando há intercorrências, acabam faturando mais. Valeria testar modelos em que as unidades ganhem por paciente atendido.
Por fim, dado que o Brasil na prática conta com um sistema misto de saúde, há que buscar um balanceamento mais adequado de despesas públicas e privadas —ainda que as decisões pela frente se mostrem difíceis e controversas.
É correta e pode ser ampliada a prática de cobrar das seguradoras privadas compensação pelo uso do SUS por parte de seus clientes, o que acaba ocorrendo com frequência em caso de acidentes e alguns procedimentos complexos, como transplantes.
Ressalve-se, contudo, que a medida implica custos a serem inevitavelmente repassados para as mensalidades dos planos, já onerosas para boa parte dos usuários.
Especialistas apresentam, como alternativa, a fixação de um limite máximo para os abatimentos de despesas médicas que contribuintes podem fazer na declaração anual do Imposto de Renda. Trata-se de proposta certamente sujeita a reparos e contestações, mas que faz sentido do ponto de vista da justiça distributiva.
Está em jogo, afinal, um sistema público do qual dependem 7 em cada 10 brasileiros, mas cujo custeio compete a todos, conforme a possibilidade de cada um.
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